Cultura Digidown Formação de Professores para a Inclusão de Estudantes com Síndrome de Down

Apresentação

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Sabe-se que, historicamente, a educação escolar desde o princípio se caracterizou como um espaço educativo de atendimento segregado em que apenas uma minoria era privilegiada, havendo assim, uma exclusão social legítima por meio das políticas públicas e práticas pedagógicas educacionais. Nesse sentido, Glat e Fernandes (2005, p. 36) afirmam que:

A educação escolar não era considerada como necessária, ou mesmo possível, principalmente para aqueles com deficiências cognitivas e/ou sensoriais severas. O trabalho educacional era relegado a um interminável processo de “prontidão para alfabetização”, sem maiores perspectivas já que não havia expectativas quanto à capacidade desses indivíduos desenvolverem-se academicamente e ingressarem na cultura formal.

Na educação escolar das pessoas com deficiência intelectual, a exclusão e a segregação estiveram sempre presentes. Ainda hoje, apesar de várias leis e diretrizes que buscam garantir a inclusão e aprendizagem da pessoa com deficiência no ensino comum, muitas vezes essas pessoas estão no ambiente escolar, mas não estão aprendendo e se desenvolvendo como poderiam. A dificuldade do professor em ensinar estudantes com  deficiência intelectual (DI) é apontada nas pesquisas de Pletsch (2009, 2010, 2014).

A autora constata dificuldades referentes às práticas curriculares voltadas a esses alunos, relata ainda a falta de adequações nas propostas pedagógicas que não atende às necessidades educacionais específicas dos alunos. Pletsch (2014) discorre em suas pesquisas dados que comprovam o despreparo de educadores e escolas na alfabetização dos alunos com DI. Dentre os principais resultados Pletsch (2014, P. 12) destaca que  

Alunos com deficiência intelectual (...) não estão desenvolvendo processos de ensino e aprendizagem que garantam o efetivo desenvolvimento.  Muitos alunos com deficiência intelectual, por não terem sido alfabetizados, acabam sendo encaminhados para classes de Educação de Jovens e Adultos (EJA), denominadas pelas redes de ensino de “EJA especial”. (grifos do autor)

A falta de formação continuada dos professores é outro fator que a autora destaca e exemplifica em suas pesquisas que consequentemente implica na dificuldade para planejar estratégias de ensino e aprendizagem que promovam o conhecimento dos conceitos científicos, que são fundamentais para o desenvolvimento de conhecimentos formais ensinados na escola; como, por exemplo, a aprendizagem de conceitos relacionados ao ensino de matemática. Enfim a construção de conceitos por parte dos alunos com DI assim como outras dificuldades de aprendizagem exige dos educadores o uso de diversos recursos e estratégias pedagógicas para mediar o ensino, ou seja, requer do professor conhecimentos didáticos. Sendo assim, segundo Pletsch (2014, P.15)

O processo educacional é muito mais complexo do que ensinar e aplicar estratégias pedagógicas, mas não podemos negar que os docentes precisam de parâmetros teóricos e metodologias de ensino para realizar o trabalho pedagógico de forma efetiva; isto é, faz-se necessário garantir na formação inicial dos nossos discentes (futuros professores) e continuada de professores (daqueles que já atuam no magistério) fundamentos teóricos articulados com ações práticas a fim de que tenham condições de impulsionar processos de ensino e aprendizagem criativos e significativos aos alunos com deficiências e aos demais.

Segundo a história a busca por uma educação efetiva e igualitária para todos se inicia na década de 90.  Os documentos como a Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais despertaram o início para um novo movimento, estendendo até os dias modernos a busca da inclusão de todos os estudantes com deficiência na escola regular desde a Educação Infantil. A Declaração de Salamanca (1994, p.01) proclama que:

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toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem, • toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas, sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades, • aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades, • escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimora a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional.

Nessa perspectiva compreende-se que a educação na escola comum deveria atender a todos os estudantes e à suas necessidades específicas segundo Martins (2012, p.28):

Reconhece-se que crianças, jovens e adultos com necessidades especiais devem aprender junto aos demais alunos, independentemente das suas diferenças. Nesse sentido, por meio da sua ação educativa, os profissionais de ensino regular, nos diversos níveis, devem buscar atender de maneira adequada à diversidade do alunado.

Na política do âmbito Nacional documentos legais que passam a garantir, amparar e exercer poderosas formulações nas políticas públicas voltadas para a educação inclusiva são a Constituição Federal de 1988, que estabelece em seu Art. 208° o dever do Estado para com a educação pública, grifando no inciso III a obrigatoriedade do atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1988).

A Lei 7.853 de 1989, que ressalta em seu Art. 2° o dever do poder Público e dos seus órgãos de assegurar às pessoas com deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive a educação como: a inclusão no sistema educacional, da Educação Especial como modalidade educativa que abranja a educação precoce, a pré-escolar, as de 1º e 2º graus, a supletiva, a habilitação e reabilitação profissionais, com currículos, etapas e exigências de diplomação próprios; a inserção, no referido sistema educacional, das escolas especiais, privadas e públicas; a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimento público de ensino; o oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial a nível pré-escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam internados, por prazo igual ou superior a 1 (um) ano, educandos com deficiência; o acesso de alunos com deficiência aos benefícios conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e bolsas de estudo e a matrícula compulsória em cursos regulares públicos e particulares de pessoas com deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino (BRASIL, 1989). 

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a Lei nº 9.394/96, a Resolução CNE/CEB nº 2/2001 que tem semelhança a LDB, ou seja, reafirma que as escolas da rede regular de ensino devem estar preparadas para receber os alunos com deficiência seja ela física ou intelectual, ou seja, professores capacitados e especializados, distribuição dos alunos com deficiência pelas várias classes do ano escolar, flexibilizações e adaptações curriculares que considerem o significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, em consonância com o projeto pedagógico da escola, respeitando a freqüência obrigatória entre outros (BRASIL, 2001).

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E por fim a resolução CNE/CEB nº 4/2009, a Declaração Mundial de Educação para Todos e a Política da Educação Especial na perspectiva da educação Inclusiva (2008), entre outros.  

Na perspectiva de Oliveira (2006), a inclusão consiste em uma luta travada por sujeitos sociais dentro de um contexto histórico-social. Em verdade, trata-se de uma prática cultural, complexa e paradoxal, com sentido de luta, de embate, que convive necessariamente com o seu contrário – a exclusão –, mas que se estabelece na direção de questionar e superar práticas sociais baseadas na desigualdade.

A inclusão é um processo dialético complexo, pois envolve a esfera das relações sociais interpessoais e intrapessoais vividas na escola. No seu sentido mais profundo, vai além do ato de inserir, de trazer a criança para dentro da escola. Significa envolver, compreender, participar e aprender. Para Sassaki (1997, p. 41) inclusão é:

Um processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir em seus sistemas sociais gerais pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. (...) Incluir é trocar, entender, respeitar, valorizar, lutar contra exclusão, transpor barreiras que a sociedade criou para as pessoas. É oferecer o desenvolvimento da autonomia, por meio da colaboração de pensamentos e formulação de juízo de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida.

Assim inclusão social é uma prática que deve levar em conta a aceitação e a valorização das diferenças do outro, a convivência dentro da diversidade e a aprendizagem. Portanto é um processo que colabora para a idealização de uma nova sociedade através de transformações em diferentes campos sociais, como no lazer, no esporte, no trabalho, na educação entre outros.

Ainda segundo Sassaki (1997), quanto mais cedo os sistemas comuns da nossa sociedade exercer a inclusão, logo se tornará um verdadeiro lugar para todos. Desta forma a escola é o espaço essencial para a prática da inclusão, pois é o lugar de formação física, cognitiva, afetiva, crítica e reflexiva do indivíduo. De acordo com Mantoan (2003, p.16),

As escolas inclusivas propõem um modo de organização do sistema educacional que considera as necessidades de todos os alunos e que é estruturado em função dessas necessidades. A inclusão implica uma mudança de perspectiva educacional, pois não atinge apenas alunos com deficiência e os que apresentam dificuldades de aprender, mas todos os demais, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral. 

Dessa maneira, entende-se que as escolas de qualidade são ambientes educativos que constroem personalidades humanas, autônomas e críticas, onde crianças e jovens aprendem a serem pessoas. Esses espaços educativos deveriam ensinar a valorização à diferença pela convivência com seus pares, sem competições, mas com espírito solidário e participativo. Pensando nisso é de suma importância adotar medidas que proporcionem o processo de escolarização, dando significado à presença do aluno com deficiência na sala comum, porém os professores ainda encontram muitas dificuldades para a inclusão dos alunos com deficiência tanto na socialização quanto no aprendizado.

Sendo assim, a DI é considerada pelos professores um grande desafio para uma escola inclusiva. Os estereótipos e as barreiras muitas vezes já construídos antes mesmo de um contato prévio com o aluno com síndrome de Down (SD), já cria uma distância entre professor e aluno, no entanto podem ser diminuídas e até mesmo eliminadas por meio do conhecimento empírico sobre o assunto e de vivências com essas pessoas. No período escolar a fase de adaptação para a criança com SD é fundamental como para qualquer outra criança. Entretanto de acordo com Dalla Déa (2009, p.34), esses estudantes:

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[...] muitas vezes, precisam de um tempo maior que outra criança precisaria para processar as informações e aprender. Com paciência e persistência, esses indivíduos surpreendem as famílias e os profissionais. A criança Down pode apresentar dificuldade de aprender quando lhe for exigido grande tempo em estado de atenção. Para que a criança, independentemente de ter síndrome de Down, desenvolva todo seu potencial mental, é necessário que se acredite que ela é capaz. 

Para Vygotsky (1998), a DI, não é fator determinante na aprendizagem do aluno com essa deficiência, e sim a mediação que é feita através do trabalho docente. Ainda segundo o autor, esse aluno através da mediação pedagógica pode ser levado de uma zona de desenvolvimento real (ZDR), que é o que esse aluno pode aprender sem a mediação, a uma zona de desenvolvimento potencial (ZDP), que é o que o aluno pode aprender através da mediação.

A partir desses apontamentos de Vygotsky (1998), podemos perceber como o professor exerce um importante papel, na aprendizagem do aluno com DI, e ainda por essa vertente podemos perceber como a formação docente pode ser indispensável nesse processo de qualificação desse professor mediador.

No entanto a maioria dos professores do ensino regular não reconhecem a capacidade do estudante com DI, e se consideram incapazes para recebê-lo dizendo não saber lidar com as diferenças e os desafios que elas acarretariam, segundo Mittler apud Mantoan (2003 p 14). Com isso encontram-se despreparados tanto no quesito teórico, estando este relacionado com o saber sobre a deficiência e aprendizagem desse aluno, quanto na prática, sem saber quais atitudes metodológicas podem estimular e propiciar o aprendizado desses alunos.

Assim esse livro tem como objetivo divulgar conhecimentos sobre aprendizagem e síndrome de Down, alfabetização e letramento, formação de professores e tecnologias.