Guia de Inclusão na
Educação Física na Escola Comum

Atividades Inclusivas

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O que a literatura discute sobre atividades inclusivas

Existem atividades mais excludentes e atividades que facilitam a inclusão. A queimada, citada por Bezerra (2010) é o exemplo de uma atividade que exclui as pessoas com menor habilidade uma vez que o estudante que não consegue pegar na bola ou, principalmente, aquele que é queimado fica excluído em um espaço chamado “cemitério”. Práticas como estas desestimulam as pessoas com deficiência e outros estudantes com menos habilidade a participarem das aulas de Educação Física.

Outra atividade comum na Educação Física citada por Cunha (2015) que pode dificultar a inclusão e que também é comum em aulas de Educação Física são os circuitos. Nessas atividades muitas vezes as crianças ficam durante um tempo aguardando parados seus colegas fazerem as atividades. Em suas observações Cunha (2015) verificou que atividades como esta causam desinteresse parte dos estudantes com deficiência que desistem da atividade e se dispersam saindo da atividade e da quadra.

Proporcionar a experiencia da condição que o colega com deficiência vivencia pode ser uma atividade interessante para inclusão. Para melhorar a convivência dos estudantes sem deficiência com um estudante com deficiência visual da turma Francisco (2011) relata que o professor proporciona para os alunos, com objetivo de sensibilizá-los, uma vivência com todos os estudantes vendados. Segundo o professor desta forma é possível “fazer eles sentirem o que ela está sentindo” (p. 47).

O trabalho de Miron (2008) analisaram um conteúdo específico da pratica corporal e sua influência na inclusão de estudantes com deficiência em escolas comuns. Miron (2008) estudou o vôlei sentado em aulas inclusivas com estudantes com e sem deficiência como uma forma de se vivenciar confronto e cooperação numa mesma atividade sem exclusão de estudantes com deficiência física. O estudo foi realizado em escolas estaduais do Estado de São Paulo, envolvendo 120 alunos de 5ª. E 6ª. Series que tinham pelo menos um estudante com deficiência física. Como resultado verificou que 98% das atividades propostas foram eficazes para proporcionar a interação de estudantes com e sem deficiência, favorecendo a participação e possibilidade de sucesso de todos, despertando valores e conceitos da educação inclusiva.

O jogo de Fusen foi estudado por Frank (2017) como recurso pedagógico na inclusão de estudantes com deficiência física severa nas aulas de Educação Física. O jogo Fusen foi criado no Japão, é uma atividade lúdica e cooperativa, que foi desenvolvido para incluir pessoas com deficiência, em especial os casos mais severos de deficiência física. O jogo Fusen “é um jogo com caráter inclusivo justamente porque prevê a participação simultânea de pessoas com e sem deficiência” (p.72). Utiliza-se de um balão grande, é jogado em quadra de Badminton, cada equipe é composta por seis jogadores divididos por uma rede e todos os membros da equipe devem tocar o balão ao menos uma vez antes de passa-lo para outra equipe, o que torna o jogo cooperativo e inclusivo. Os resultados apontam que o Fusen sozinho não é capaz de atingir todos os objetivos da educação inclusiva, mas que possibilitou momentos cooperativos e diferentes nas aulas de Educação Física com a participação de estudantes com deficiência mais severa, o que tem sido um desafio para o professor de Educação Física.

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O esporte adaptado pode ser utilizado como uma possibilidade de atividade inclusiva. Cunha (2013) realizou um estudo com alunos da 5a série de uma escola pública do município de Vitória-ES que tinham dois alunos com deficiência, sendo um com paralisia cerebral e um com baixa visão, onde foi utilizado o esporte adaptado como forma de inclusão. Como resultado, o estudo identifica que o esporte adaptado, pode ser um importante conteúdo a ser trabalhado nas escolas brasileiras pelos professores de Educação Física para incluir e aproximar os alunos com e sem deficiência para a prática das mesmas atividades, proporciona também a possibilidade do conhecimento de novas modalidades esportivas e alterou a imagem que os estudantes sem deficiência tinham das pessoas com deficiência, principalmente sobre suas capacidades esportivas.

O Programa Segundo Tempo Esporte Adaptado é uma política pública de esporte que foi estudada por Pereira (2014) que buscou avaliar esta política, conhecer sua conformação e sinalizar possíveis fragilidades. Políticas públicas de inclusão podem favorecer a Educação Física Inclusiva e facilitar a ação pedagógica do professor mas foi verificado que a participação dos estudantes com deficiência é prejudicada por fatores como transporte público, além das barreiras sociais e arquitetônicas.

Michiles (2018) analisou atividades de jogos e brincadeiras nas práticas pedagógicas dos professores de Educação Física, nos anos iniciais do ensino fundamental, na rede municipal de ensino comum da cidade de Manaus, suas concepções sobre o lúdico com o modo como desenvolvem suas práticas pedagógicas com vistas à educação inclusiva. Em seus resultados foi verificada que para a utilização da atividade lúdica com fim inclusivo precisa-se de uma formação docente para minimizar a fragilidade teórica verificada nesse estudo na fundamentação das concepções sobre o fenômeno da inclusão escolar com discordância entre seus discursos e suas práticas pedagógicas.

Identificamos no nosso estudo da arte sobre inclusão do estudante com deficiência na Educação Física escolar três trabalhos que estudaram o estudante com deficiência intelectual, sendo eles Costa (2016), Carvalho (2014) E Oliveira (2013).

Uma atividade apresentada como positiva nas aulas de Educação Física nos relatos dos estudantes nos estudos de Oliveira (2013) foi a aula teórica da Educação Física que contextualizava a história, os conceitos, as atitudes e os valores que existem nos conteúdos, esse foi considerado um importante momento para a compreensão do conteúdo que seria trabalhado, facilitando a inclusão dos estudantes com deficiência. Segundo a autora:

Esses conteúdos têm o intuito de fazer com que os alunos percebam e identifiquem a diversidade cultural existente no meio esportivo, contribuindo na aceitação das diferenças em sala de aula e aprendam a se relacionar com os seus companheiros de classe, valorizando os conceitos morais que estão por trás dessas práticas esportivas (OLIVEIRA, 2013, p. 45).

Carvalho (2014) pesquisou o processo de inclusão de alunos com Síndrome de Down nos diferentes conteúdos da educação física escolar (jogo, esporte, ginástica, luta e dança) e elaborar uma proposta de trabalho escolar inclusivo por meio da Pedagogia de Freinet. Para atingir o objetivo foram observadas aulas de educação física durante 1 ano letivo em uma turma de 21 alunos do 2° ano do ensino fundamental I, dos quais dois possuem Síndrome de Down, em uma escola comum do município de Americana, São P6. Segundo a autora a escolha da Pedagogia Freinet se deu porque:

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o pedagogo Célestin Freinet buscou a construção de uma educação adequada sem desconsiderar as diferentes realidades e dificuldades possíveis de serem encontradas. Ainda no século XX, Freinet propagou ideais educacionais em consonância com os necessários no momento presente para que uma educação para todos de fato ocorra – fundamentada na cooperação, afetividade e respeito às diferentes capacidades e dificuldades, numa época na qual as discussões a respeito da educação inclusiva ainda não estavam em pauta (CARVALHO, 2014, p. 03).

Nas observações realizadas por Carvalho (2014) durante 1º ano na turma verificou-se que existem um significativo predomínio de aulas com esporte e jogos (23 aulas), poucas aulas de dança no final do semestre (02) e nenhuma aula com lutas, ginastica ou outras práticas corporais. Nas aulas que prevaleceu conteúdos esportivos o pesquisador verificou maior número de atitudes negativas dos colegas com as crianças com Síndrome de Down. Segundo o autor as aulas que os dois estudantes com Síndrome de Down mais participaram foram as aulas de dança:

Pode ser observada uma totalidade de participação ativa dos alunos com deficiência durante as aulas de Dança. Neste conteúdo, foi permitida pelo professor a vivência de diferentes ritmos musicais sem a imposição de coreografias ou gestos padronizados, o que mostrou ser uma oportunidade de inclusão, cada qual vivenciando o conteúdo segundo suas potencialidades (p.132).

Na segunda parte do estudo o pesquisador propôs da utilização das técnicas de Freinet para tentar modificar a realidade encontrada na escola, por meio de criação de aulas em cantos com diversos conteúdos trabalhados concomitantemente e com diferentes níveis de dificuldade, além dos ideais de respeito, cooperação e afetividade que vão ao encontro da proposta inclusiva. Segundo ele:

Em substituição a essa educação, Freinet propôs uma ressignificação de alguns conceitos ao serem aplicados no âmbito escolar. Ele nomeou a ordem enquanto destinada à melhor organização do trabalho escolar, a disciplina enquanto cooperação, e a autoridade enquanto aspecto moral oriundo do respeito e não de ameaças. Defendeu ainda que o conhecimento se desenvolve apenas com a própria experiência dos alunos, e não pela imposição de conceitos teóricos. Dessa forma, o professor deve valorizar e organizar sua prática pedagógica com base no sentir, amar, viver, criar, compreender-se e socializar-se (CARVALHO, 2014, p.150).

Como resultados do estudo Carvalho (2014) verificou o predomínio dos conteúdos de jogo e esporte sobre os outros conteúdos, a ocorrência de algumas interações negativas entre os alunos e barreiras atitudinais e de conhecimento por parte do professor. No entanto com a utilização das técnicas de Freinet, houve maior participação dos estudantes com deficiência e menos barreiras e reação negativas por parte dos colegas assim concluiu-se que os ideais e técnicas elaborados por Freinet contribuiram para minimizar os entraves da inclusão, facilitando a construção de uma educação física escolar inclusiva.

Contribuições da nossa pesquisa de campo sobre atividades inclusivas

Em nossa pesquisa a utilização exclusiva do esporte como competitividade e seleção de talentos apareceu como principal problema na abordagem dos conteúdos da Educação Física Escolar.

A esportivização da Educação Física escolar foi apresentada nesse trabalho como parte presente da história da Educação Física principalmente antes da década de 80. Após a década de 80 trouxemos em nossa revisão de literatura as abordagens criticas da Educação Física como a de Kunz (1991; 1994; 1999) que começa a questionar o fato do esporte ser o conteúdo de maior ênfase na escola.

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A pedagogia crítico-emancipatória (KUNZ, 1991 e 1994) busca uma prática docente emancipatória na Educação Física, discutindo, criticando e propondo uma prática diferente da prática esportivizada excludente. A teoria de Kunz (1999) reflete sobre o papel da Educação Física na escola, com olhar direcionado ao estudante e ao respeito às suas eficiências, buscando um projeto político ampliado onde a Educação Física amplie seu papel.

Os professores pesquisados nesse estudo também questionam a esportivização da Educação Física na escola presente ainda nos dias de hoje:

E a experiência que eu já tive é que isso não acontece na escola regular. Fica muito voltado, principalmente para o futebol, futsal, né, a questão do rolar na bola. Então assim, trabalhando uma atividade talvez até pra cumprir aquele horário né, onde poderia está fazendo atividades que realmente eles, os, eles estão precisando desenvolver, né, então eu acho assim que falta isso, é uma mesmice, fica muito voltada assim pros esportes, a esportivização e assim, não só as crianças deficientes, mas quanto os outros educandos eles necessitam de um desenvolvimento dessas habilidades mais direcionado, porque hoje a gente vê muito educando que não sabe, tem dificuldade com materialidade - vai pra esquerda - não tá indo, não, tem até a brincadeira - a outra esquerda - porque ele tá indo pra direita, então a gente vê a necessidade de tá trabalhando isso também, contribuindo pra isso. (P1)

...as turmas de educação física no ensino regular os professores já tem uma crença de que tem que ser esportes coletivos né, sexto a partir do sexto ao nono ano já vem a questão do esporte coletivo tem que atingir as metas do currículo no Estado por exemplo tem a né, determinados quais são os conteúdos a serem ministrados, então o professor tem que atingir aqueles conteúdos, mas muitas vezes tem que também saber adaptar né, conseguir atingir também o aluno de inclusão (P3)

Em alguns relatos pode-se verificar que a escola especial consegue atender com maior qualidade os estudantes com deficiência pois caminha distante da esportivização, valorizando outros conteúdos da cultura corporal:

Nas aulas de Educação Física temos dois espaços, um da atividade aquática e um outro espaço terrestre. No espaço da atividade aquática tem dois objetivos, um que é comum que é a adaptação ao meio líquido, permanecer naquele espaço com segurança, outro para os educandos que já sabem nadar e participam dos jogos paradesportivos. Mas existe um grupo forte de crianças que eu atendo que principalmente as crianças com paralisia cerebral que não consegue nem se locomover elas não tem independência, então para essas crianças o objetivo das atividades aquáticas é muito mais um relaxamento muscular, porque elas ficam muito tempo sentadas numa cadeira de roda, e a atividade aquática que permite movimentos por conto da relação que a água permite no nosso corpo eu acho que é ampliar esses movimentos delas que o ambiente aquático permite. O outro espaço para mim que estou no ensino especial eu acho que é dá acesso a essas crianças aos conhecimentos da cultura corporal que elas não têm acesso no processo da escolarização, por isso que eu acho que é fundamental por exemplo o projeto capoeira. Eu acho que um projeto desse com atividade como capoeira, dança ou outras que não precisa ser a valorização dos esportes pode ser com outros elementos da cultura corporal, arte circense, ginástica consegue desenvolver elas bio-psico-socio-culturalmente, então não acho que precisa ser os elementos da psicomotricidade como está no projeto da instituição, mas eu respeito essa instituição acho que a gente precisa ler mais já existem trabalhos publicados de professores dizendo sobre outras possibilidades do ensino com autista, com paralisia cerebral através de momentos da cultura corporal e não que a cultura corporal não desenvolva o equilíbrio, a lateralidade ou a coordenação motora. Para um aluno fazer um movimento de membro da capoeira ele tem que ter total equilíbrio numa perna só e erguer a outra, então para desenvolver o elemento da cultura da capoeira ele precisa de equilíbrio, a ginga da capoeira é pura lateralidade ele precisa saber que é um pé na frente outro atrás é muito esquema corporal, então eu acho que tem um desenvolvimento dos elementos psicomotores, mas eu acho que o foco não precisa ser os elementos psicomotores. (P7)

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Em um dos relatos das pesquisadas podemos verificar que o problema não é o esporte e sim como se utiliza o esporte. Podemos verificar que habilidades presentes no esporte também são trabalhadas com sucesso na educação especial:

...basicamente o elemento principal é a psicomotricidade, mas a gente trabalha outras coisas, a gente trabalha a dança, a música, o esporte, se eu tenho um menino da educação infantil que ele consegue arremessar seis bolas no aro do basquete seguida, então pode ser uma prática esportiva, sendo assim de certa forma ele vivencia o esporte, sabendo o que é, como joga etc. (P8)

Outro relato também traz uma outra forma de se utilizar habilidade esportivas como o que a professora chamou de “mini-jogos” sem esportivização:

A nossa preocupação maior é em desenvolver as habilidades psicomotoras, o equilíbrio, praxia global, de coordenação de espaço visual, de estruturação rítmica, é com relação aos conteúdos a gente vai adequando de acordo com os interesses das crianças, tem crianças que chegam aqui e querem muito jogar futebol, tem criança, que já tem habilidades para o voleibol, tem crianças que já despertam a ginástica artística, o circo, então a gente vai trabalhando os conteúdos. Eles trazem os interesses, e as vezes trazem comentários do que viram na escola, do que aprenderam na escola a gente tenta incluir aqui também nas aulas. (P3)

Segundo um outro relato, que confirma os anteriores, os conteúdos na instituição vão para além do esporte, sem no entanto desconsiderá-lo:

...na questão dos conteúdos, desenvolvemos a capoeira, a dança, e quando vem estagiários também, a gente oferece a oportunidade de vivenciarmos coisas também damos a vivência de jogos com bolas como o futebol, o basquetebol, pequenos jogos, como forma de oferecer várias vivências para os educandos que aqui frequentam. (P9)

A Educação Física escolar para ser inclusiva precisa pensar em seu conteúdo para além da esportivização, compreendendo toda a cultura corporal. Quedas (2015) relata que:

Uma educação física para todos é possível. O profissional precisa buscar meios para o aluno conhecer e avançar seus limites em diferentes dimensões biopsicossociais, seja por meio de ginásticas, esportes, danças ou lutas, e é com a adaptação desses conteúdos e do acesso a eles que se faz a inclusão (p.25).

O problema não está no esporte, pelo contrário o esporte é um conteúdo importante e pode fazer parte de uma aula inclusiva, desde que não tenha como foco a competição e a exclusão dos menos habilidosos. Um conteúdo pouco trabalhado na Educação Física Escolar que poderia fazer os estudantes refletirem sobre a diversidade e a eficiência na deficiência são os esportes paralímpicos. Além disso seria um conhecimento, vivência corporal e sensorial diferente, que proporcionaria nova experiência e desenvolvimento para todos os estudantes.