Educação Especial e Inclusão Pesquisas do Centro Oeste Brasileiro

A inclusão escolar do aluno com deficiência intelectual: dados qualitativos sobre as relações interpessoais em escolas de Dourados - MS

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Autoras: Aline Maira da Silva, Leticia Maria Capelari Tobias Venâncio, Mary Cristina Olimpio Pinheiro

Considerações iniciais

Ao ingressar na escola, toda criança amplia suas relações, tendo a partir deste momento mais um lugar para aquisição de novas habilidades sociais que são base para o desenvolvimento das habilidades acadêmicas. Em vista disso, é importante que a escola inclua entre seus objetivos ampliar a quantidade e melhorar a qualidade das relações interpessoais entre os alunos.

A efetivação da inclusão escolar requer uma escola que paute suas práticas em um ambiente de boas relações interpessoais, com a aceitação de todos e respeito à diversidade. Para as autoras Lima e Mendes (2011), apesar das mudanças ocorridas na escola a partir das políticas públicas voltadas para a efetivação da inclusão escolar, os mecanismos de exclusão das pessoas com deficiência não estão sendo desconstruídos e ainda permanecem no ambiente escolar, principalmente quando o aluno apresenta um comprometimento intelectual mais significativo. Segundo as autoras, no processo de inclusão de alunos com deficiência ainda permanece a incerteza e pouca clareza das ações que devem ser implementadas pela escola.

No que diz respeito especificamente à inclusão escolar dos alunos com deficiência intelectual, Freitas e Del Prette (2010) afirmam que, a partir da avaliação de crianças com deficiência intelectual, em comparação a seus colegas sem deficiência, as primeiras apresentam déficits de habilidades sociais e também alguns excessos comportamentais em seus repertórios, que se configuram como problemas de comportamento. Para os autores, há uma escassez de estudos voltados para caracterizar as habilidades sociais de crianças com deficiência intelectual, o que dificulta a produção de conhecimentos sobre essa população. Tal escassez configura-se como obstáculo para a identificação de necessidades, que poderia nortear outros estudos com foco em intervenções educacionais voltadas para promoção de habilidades sociais junto ao aluno com deficiência intelectual.

Estudos sobre as relações interpessoais estabelecidas entre os alunos no ambiente escolar podem contribuir para o planejamento de intervenções bem-sucedidas com o foco na promoção de habilidades sociais e acadêmicas, favorecendo consequentemente a inclusão escolar. Para isso, é necessário que se conheça o ambiente escolar específico no qual a criança com deficiência intelectual está incluída, suas necessidades físicas, acadêmicas e sociais.

O desenvolvimento de habilidades sociais na infância contribui diretamente com um bom funcionamento adaptativo, gerando a aquisição de um melhor rendimento acadêmico, maior responsabilidade, cooperação e independência diante dos enfrentamentos da vida (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2005). Dessa forma, há necessidade de um maior investimento na promoção de habilidades sociais de crianças com deficiência intelectual incluídas no ensino regular, a fim de que as mesmas possam atender, com maior proficiência, as demandas próprias do ambiente escolar e do desenvolvimento geral (CAPELLINI, 2001; ROSIN-PINOLA, 2006).

O estudo aqui apresentado constitui um recorte da pesquisa de mestrado intitulada Caracterização das relações interpessoais entre alunos com deficiência intelectual e seus pares em sala de aula regular, cujo objetivo geral foi descrever e analisar as relações interpessoais entre alunos com deficiência intelectual e seus colegas de sala de aula. No presente capítulo serão abordados os dados qualitativos da referida pesquisa.

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O estudo foi desenvolvido em três escolas regulares da rede municipal de ensino de Dourados, Mato Grosso do Sul, nas salas do primeiro ao terceiro ano do ensino fundamental nas quais os alunos com deficiência intelectual estavam matriculados. Tais escolas foram aqui denominadas como escolas A, B e C.

Participaram do estudo seis alunos com deficiência intelectual assim como seus colegas em sala de aula. Os alunos participantes foram denominados como alunos alvo: A1; A2; A3; A4; A5; A6.

Quadro 1. Caracterização dos alunos com deficiência intelectual.
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Identificação do aluno Ano Escola Sexo Idade Diagnóstico
A1 A M 7 Deficiência Intelectual
A2 A M 8 Deficiência Intelectual
A3 C F 8 Deficiência Intelectual
A4 B M 14 Deficiência Intelectual;
Síndrome Alcoólica Fetal
A5 B M 11 Deficiência Intelectual
A6 C M 10 Deficiência Intelectual;
Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDHA);
Discalculia

Os dados qualitativos que serão apresentados foram colhidos a partir de quatro observações sistemáticas para cada um dos alunos alvo, com duração de 40 minutos por sessão. Cada sessão de observação sistemática foi composta pelas seguintes etapas: período focal de 30 minutos, a partir do preenchimento de protocolo específico, seguido de um período de anotações qualitativas (observação de campo) de dez minutos do que estava ocorrendo em sala: interações entre demais colegas; interações entre apoio educacional e alunos; e interações entre professor e alunos que fossem importantes para o foco do estudo. Para garantir maior variabilidade de comportamentos das amostragens do registro, as observações sistemáticas foram realizadas em dias alternados e horários diferentes, em cada uma das salas participantes.

Os cinco minutos iniciais das primeiras sessões realizadas com cada aluno alvo foram desconsiderados, a fim de que os alunos se adaptassem com a presença das pesquisadoras. Dessa forma, com as quatro sessões, cada aluno teve um total de 155 minutos observados: 115 minutos de observações focais e 40 minutos de observações de campo. Considerando que os seis alunos alvo foram observados, realizou-se um total de 930 minutos de observação sistemática.

Foram realizadas observações em sala de aula e também nas situações de brincadeira, durante o recreio. Para garantir a fidedignidade dos dados, aproximadamente 50% das sessões foram acompanhadas por uma juíza, que realizou o mesmo processo de observação sistematizada.

Ao longo das observações sistemáticas foi possível coletar dados qualitativos que serão apresentados e discutidos em três eixos de análise: 1) a influência do apoio educacional e das professoras regentes nas relações interpessoais em sala de aula; 2) relações interpessoais e habilidades sociais; 3) inclusão escolar e relações interpessoais.

A influência do apoio educacional e das professoras regentes nas relações interpessoais em sala de aula

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De modo geral, os alunos A1 e A6 passaram a maior parte das observações distantes de seus colegas, tendo poucas interações sociais com seus pares. Um dos fatores que contribuiu para esse isolamento foi o fato dos alunos se posicionarem ao fundo da sala de aula, entre a parede e o professor de apoio. A maioria das interações com os colegas ocorreu quando os alunos alvo A1 e A6 se levantavam, em momentos nos quais interagiam com o colega da fileira da frente, com a permissão do apoio educacional ou quando os colegas iam até o local, para buscar orientações pedagógicas com o apoio educacional. A ação dos alunos alvo de levantar de suas cadeiras também era controlada por seus apoios educacionais, que ao longo das observações sempre faziam com que os mesmos permanecessem sentados, mesmo que os demais alunos estivessem dispersos pela sala de aula.

Em relação ao comportamento, o aluno A6 era mais agitado que o aluno A1, e se movimentava frequentemente em direção à mesa da professora para mostrar a tarefa, mesmo que seu apoio educacional tentasse impedi-lo. Em uma dessas idas à mesa da professora, a mesma se incomodou porque A6 estava conversando antes de voltar para seu lugar, mesmo tendo outros alunos dispersos pela sala. Na ocasião, a apoio educacional, observando que a professora tinha se incomodado, mudou a cadeira de A6 para que ele se sentasse encostado na parede do fundo, entre a outra parede e o apoio educacional, o fazendo permanecer no local. Dessa forma, o contato de A6 com os colegas ficou ainda mais limitado, já que na nova posição ele estava distante até da colega posicionada à sua frente.

O aluno A1, mesmo sendo quieto e obedecendo tudo que lhe pediam, também passou por situações em que foi impedido por seu apoio educacional de se comunicar com seu colega da frente. Em uma das ocasiões observada, a professora ainda não tinha iniciado a aula e havia outros alunos conversando e brincando pela sala.

Em relação à função do apoio educacional em sala de aula, a Portaria Municipal de Dourados, por meio da Resolução nº 27/2015, especifica no artigo 4° as seguintes atribuições:

O Apoio educacional – AE atuará de forma articulada com os professores regentes e demais professores das áreas de ensino desde que haja aluno público-alvo da Educação Especial da sala de aula regular (Resolução/SEMED nº 27/2015, art. 4°).

A despeito do que consta na resolução municipal, os resultados demonstraram que o apoio educacional não desenvolvia um trabalho articulado e colaborativo com as professoras regentes. Por exemplo, a professora regente do aluno A6 deixava para o apoio educacional a função de orientar sobre o exercício, quando esse era diferente da atividade realizada pelo resto da sala, e demonstrava incômodo quando o aluno ia até sua mesa para sanar dúvidas.

Cabe destacar ainda que a professora regente de A1 não se deslocava para acompanhar a atividade que o aluno estava realizando, além disso, concordou em deixar o mesmo na Sala de Recursos Multifuncionais quando o apoio educacional teve que sair antes do término da aula.

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Em parágrafo único do artigo 13° da Resolução/SEMED nº 27/2015, ainda fica exposto que não é responsabilidade do apoio educacional assumir tarefas da sala de aula comum e nem se responsabilizar pelo ensino do aluno, assim como elaborar os instrumentos para avaliação do mesmo.

Diferentemente do que determina a referida resolução, os dados indicaram que a atuação dos apoios educacionais junto aos alunos A1 e A6 interferiram para que os mesmos se relacionassem menos com seus colegas de sala. Os resultados evidenciaram que tais profissionais limitavam as interações sociais entre os colegas de sala e até mesmo o contato entre os alunos com deficiência intelectual e a professora regente.

Como aponta Gresham (2009), as relações interpessoais são meios para o desenvolvimento de habilidades sociais mais positivas, colaboram para melhor aceitação por colegas, além de contribuir para o ajustamento acadêmico. Dessa forma, limitar as relações interpessoais desses alunos implica em limitar a aprendizagem de comportamentos mais habilidosos nas relações interpessoais com seus colegas.

Além disso, a própria organização dos alunos durante a realização das atividades acadêmicas deve ser repensada. Conforme Salvador et al. (2000), na organização de sala de aula, grupos cooperativos têm maior impacto no desenvolvimento infantil em comparação com a realização de tarefas individualmente, uma vez que em grupos cooperativos todos os membros têm que se ajudar mutualmente para chegarem ao objetivo final da tarefa, diferentemente das tarefas individuais onde cada um é responsável pelo seu sucesso acadêmico.

Apesar dos dados relacionados aos alunos A1 e A6 indicarem que o apoio educacional está influenciando de maneira negativa as relações interpessoais estabelecidas, tal dado não pode ser generalizado. Na observação do aluno alvo A2, evidenciou-se que o apoio educacional contribuía para sua aprendizagem, assim como facilitava o contato do aluno com seus colegas.

Em quatro das observações, A2 estava sentando na primeira carteira, com colegas ao seu lado e atrás dele e a mesa da professora situada logo mais à frente. Em duas outras sessões, um colega estava sentado exatamente ao lado de A2. A apoio educacional sentou-se em todas as observações em uma cadeira posicionada à sua frente, virada para o aluno.

Na sala de A2, a apoio educacional e a professora regente mostraram trabalhar de forma articulada. A professora frequentemente se deslocava em direção à mesa do aluno ou o recebia em sua mesa, ajudando-o com a tarefa. O aluno tinha incentivo das duas profissionais para realizar suas tarefas ao mesmo tempo em que era livre para caminhar pela sala, assim como fazia seus colegas.

O fato de A2 ter tido um colega sentado ao seu lado ao longo de algumas sessões de observação se deve ao fato da própria apoio educacional tê-los colocado juntos, os incentivando a se ajudarem na realização da tarefa. Isso aconteceu até mesmo quando as tarefas não eram iguais, uma vez que A2 realizava tarefas adaptadas. Nesses momentos, os três (apoio educacional e alunos) engajavam-se na realização das atividades.

Durante as observações no recreio, foi possível perceber que os alunos A1 e A6 também sofreram interferências em suas relações interpessoais com os colegas. Principalmente no caso do aluno A1, que foi observado todo o recreio sentado em um banco ao lado do apoio educacional, apenas observando as outras crianças brincando.

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Para Freitas e Mendes (2010, p. 46), principalmente no caso da criança com deficiência matriculada na escola regular, o brincar é uma “ferramenta indispensável” para favorecer o envolvimento desse aluno com seus colegas. Para as autoras, é a partir do desenvolvimento de brincadeiras que se inicia o sentimento de pertencimento ao grupo, o que é essencial para o processo de inclusão escolar.

Ao contrário dos casos de A1 e A6, durante o recreio, a apoio educacional de A2 se dirigiu a sala dos professores junto com a professora regente da sala. A2 ficava livre para brincar com seus colegas sem nenhuma supervisão. Tal fato possivelmente contribuiu de forma decisiva para o bom relacionamento observado entre A2 e seus colegas de sala.

Relações interpessoais e habilidades sociais

Nesse item serão abordadas as relações interpessoais que se destacaram de forma negativa ou positiva ao longo do estudo.

A partir da observação de campo foi possível perceber que o aluno A5 sofria rejeição de seus colegas em relação aos demais alunos alvo analisados. O aluno passou a maior parte das observações isolado e era ignorado quando emitia algum comportamento direcionado aos colegas de sala (por exemplo, pedir material emprestado ou tentar iniciar uma conversa). Além disso, muitas interações envolvendo A5 eram caracterizadas por comportamentos disruptivos, por parte de seus colegas, que xingavam ou batiam no aluno em questão.

Para os autores Del Prette et al. (2009), comportamentos agressivos estão associados a ações como falta de empatia, baixo autocontrole e alguns equívocos em relação a normas sociais, ou seja, são comportamentos com déficits em competência social. Esses comportamentos em curto prazo podem gerar rejeição dos colegas e dos adultos, aumentando a probabilidade de que em médio e longo prazo esse aluno tenha um fracasso escolar que possa resultar até em evasão, assim como sua maior rejeição por parte de seus grupos sociais.

Em uma das observações de campo, o aluno A5 apanhou de um dos seus colegas. Diante da briga, a professora (que não observava o ocorrido) culpou o próprio aluno que havia apanhado, afirmando que o mesmo não conseguia ficar quieto e incomodava a todos da sala com seu jeito. Nesse momento, alguns colegas aproveitaram para reclamar de A5.

Matos e Mendes (2014) indicam que os professores carecem de informações de como intensificar as trocas sociais com a finalidade de melhorar a qualidade das relações entre os alunos. Ainda segundo as autoras, os professores evitam lidar com o preconceito dos colegas em relação aos alunos com deficiência.

Os alunos A2 e A6 também foram observados em situações em que seus colegas os ofenderam. Esses comportamentos aconteciam quando A2 e A6 tinham comportamentos pouco assertivos em relação aos seus colegas como, por exemplo, quando o aluno A6 cutucava os colegas ou passava batendo em suas cabeças, sem perceber que os colegas ficavam irritados com tais atitudes. O aluno A2 tinha comportamentos semelhantes, como cutucar os colegas e sair rindo, também sem perceber o incômodo dos colegas.

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O aluno A2 estava incluído em uma sala de aula bem dinâmica em que os alunos se relacionavam o tempo todo e o próprio aluno alvo tinha uma boa relação com um colega que se sentava mais próximo a ele. Porém, muitas das vezes que A2 tentava iniciar interações com seus colegas, ele emitia comportamentos como falar alto ou interromper os colegas enquanto os mesmos estavam em atividade. Como consequência, muitas vezes os colegas ignoravam A2.

Del Prette e Del Prette (2005) explicam que as crianças com deficiência intelectual podem ter maior dificuldade para a discriminação e processamento de habilidades sociais assertivas ao ambiente. Segundo os autores, para que a criança com deficiência tenha um melhor desempenho social, é preciso que ela identifique as demandas do ambiente social e, a partir dessas informações, entenda como melhor elaborar seu comportamento.

Para o desenvolvimento de habilidades sociais que se tornem comportamentos reproduzíveis no cotidiano escolar do aluno é necessário que essas habilidades façam parte de seu contexto ambiental. Para isso, as normas sociais do ambiente devem ser bem estabelecidas e reforçadas no cotidiano escolar, para que a competência social seja coerente aos seus sentimentos, pensamentos e ações (DEL PRETTE; DEL PRETTE 2005).

Em meio às relações interpessoais observadas, é necessário o planejamento e a implementação de ações voltadas para ampliar o repertório de habilidades sociais dos alunos com deficiência intelectual, assim como de todos os alunos da sala de aula.

A aluna A3 foi a que demonstrou ter melhores relações interpessoais estabelecidas com seus colegas: em todas as observações ela estava agrupada e em atividade com algum colega, também era sempre procurada e pouco ignorada em suas iniciativas interacionais.

O ambiente em que a A3 estava incluída era bem dinâmico, os colegas da sala da interagiram tanto com os colegas das cadeiras próximas, sem se levantar, mas também se levantavam o tempo todo e conversavam entre si. Durante as sessões de observação, todos os alunos da sala interagiram ao menos uma vez com seus colegas. Essas interações ocorreram durante as atividades propostas pela professora, de forma que os alunos interagiam uns com os outros para justamente tirar dúvidas, trocar materiais escolares ou fazer as atividades compartilhadas.

Além disso, a posição de A3 em sala de aula favorecia a interação social com seus colegas. A aluna se sentava cercada por colegas e, em vários momentos da observação, A3 estava acompanhada de uma colega que lhe ajudava a fazer a tarefa, com o incentivo de sua professora para essas atividades conjuntas.

Uma das colegas de A3 sempre terminava sua tarefa rápido e então solicitava à professora permissão para ajudar a aluna alvo. A professora permitia e fornecia as orientações para ambas. Também foi observado que, em uma das sessões de observação, a professora regente de A3 passou em sua carteira para verificar como ela e a colega estavam desenvolvendo as atividades acadêmicas.

O ambiente da aluna A3 possibilitava maiores interações positivas com seus colegas, o que possivelmente proporcionava que a aluna alvo desempenhasse um maior número de comportamentos relacionados com habilidades sociais como cooperar, ser assertiva e fazer amizades.

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Para o estabelecimento de relações interpessoais positivas, segundo Del Prette e Del Prette (2005), é esperado que haja um bom desenvolvimento em habilidades sociais. Para os autores, para que tais relações sejam bem estabelecidas, é necessário um desenvolvimento de habilidades relacionadas à comunicação, expressividade e desenvoltura que contribuam para gerar amizades, respeito e um convívio harmônico mais positivo.

Na turma de A4 foi observado o menor número de interações dentre os alunos alvo. As interações ocorriam com baixa frequência e envolviam apenas os colegas que estavam sentados nas carteiras próximas ao aluno alvo. Era ocasional a troca de materiais escolares e de conversas paralelas. Ao contrário das outras salas, os alunos não faziam as tarefas juntos, ocupando-se mais em copiar e responder suas tarefas de forma individual.

Durante as observações de campo, o aluno A4 foi o que mais esteve isolado de interações com seus colegas de sala de aula. O mesmo interagia apenas com três colegas de sua turma, respondendo quando chamado e oralizando muito pouco. Além disso, muitas vezes o aluno era chamado por algum colega e não respondia à iniciativa de interação. Além disso, em duas das observações, o aluno passou grande parte do período com a cabeça abaixada em sua mesa por alguns minutos, só levantando quando a professora regente ou o apoio educacional de seu colega vinha lhe ajudar com a tarefa escolar. O ambiente da sala de aula de A4 era um dos mais restritivos para o estabelecimento de relações interpessoais, devido aos comportamentos emitidos pela professora regente, que pedia silêncio aos alunos, o que pode ter influenciado para que o mesmo tenha permanecido isolado na maioria das observações.

A partir das observações sistemáticas dos alunos A2, A3, A4, A5 e A6 foi possível notar que muito dos manejos de sala de aula da aluna A3 poderiam também ser utilizados para melhorar as relações interpessoais dos alunos A4, A5 e A6. Como por exemplo, o incentivo a condução de atividades escolares conjuntas entre os alunos e o favorecimento de relações interpessoais mais assertivas entre alunos alvo e colegas de sala.

Inclusão Escolar e Relações Interpessoais

Os resultados apresentados demonstraram certas proximidades e diferenças nas relações interpessoais estabelecidas entre os alunos alvo e seus colegas, como por exemplo, o manejo de sala de aula pelo professor regente, a disposição dos alunos em sala de aula, o auxílio do apoio educacional e mesmo a forma como as atividades escolares são passadas aos alunos com deficiência intelectual.

Pereira, Mariotti e Luna (2004, p.15) destacam que o trabalho pedagógico, muitas vezes, faz com que os professores desconsiderem o estágio em que se encontra cada aluno e as dificuldades específicas apresentadas por cada um deles. Isso devido à necessidade de o professor organizar suas atividades para cumprir a elaboração do currículo e o processo de avaliação, com base “em um padrão típico das camadas médias, sem flexibilizá-lo ou levar em conta a diversidade das crianças”. Segundo os mesmos autores, estudos têm apontado que muitos professores tendem a atribuir o insucesso escolar dos alunos a responsabilidade dos próprios alunos e suas famílias, independente dos fatores relacionados a sua atuação ou mesmo da escola.

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Ao longo das observações sistemáticas dos alunos A1, A6, A4 e A5 foi possível perceber algumas situações indicativas de que os alunos com deficiência intelectual, matriculados em sala de aula regular, eram responsabilizados por sua incapacidade de realizar as tarefas e de se relacionar adequadamente com seus colegas. Além disso, os alunos mencionados ficavam a maior parte do tempo sob responsabilidade de seus respectivos apoios educacionais.

Como exemplo, é possível citar o caso de A1. O aluno era incentivado por sua apoio educacional a se manter em sua carteira e, além disso, realizava tarefas que não eram adequadas às suas necessidades: atividades de pintura e colagem enquanto os demais alunos estavam engajados em tarefas envolvendo operações matemáticas ou interpretação de textos.

Para Gusmão, Martins e Luna (2011), somente a partir de um processo de mudança e adaptação do modelo educacional como um todo será possível efetivar e perpetuar um modelo de inclusão, gerando uma nova cultura em longo prazo na prática escolar.

A partir dos resultados desse trabalho foi possível perceber que as relações interpessoais dos alunos estão, em sua maioria, sendo pouco desenvolvidas. O que não implica dizer que a inclusão escolar não esteja ocorrendo, mas sim em apontar, com base no que foi observado, que o ambiente da sala de aula como um todo precisa de modificações que beneficiem não só as relações interpessoais entre alunos com deficiência e seus colegas, mas também as relações entre todos os alunos e também as relações entre os profissionais da escola e os alunos.

Segundo Gusmão, Martins e Luna (2011), para demonstrar que a inclusão escolar pode ser uma prática cultural acessível a todos, é necessário refletir sobre os efeitos dos comportamentos das pessoas ligadas à Educação (tanto das que se beneficiam do serviço quanto das que trabalham na área) sobre o ambiente escolar.

A partir dos resultados apresentados, foi possível perceber a necessidade do desenvolvimento de mais estudos com foco nas relações interpessoais tanto entre os alunos com deficiência e seus colegas, como também entre os profissionais da escola e os alunos. Além disso, ficou clara a importância do desenvolvimento de treinos em habilidades sociais que contribuam para relações interpessoais mais harmoniosas, que possam promover mudanças na sala de aula em prol da inclusão escolar e da aprendizagem.

Conclusão

Dentre os resultados qualitativos encontrados, foi possível observar muitos fatores que influenciam o estabelecimento das relações interpessoais em sala de aula: o manejo de sala pelo professor regente e apoio educacional, a posição do aluno em sala de aula, as características do aluno com deficiência intelectual e também a competência social dos alunos com deficiência intelectual, assim como a competência social de seus colegas de sala.

Observou-se o quanto os apoios educacionais têm influência direta para o estabelecimento e direcionamento das relações interpessoais entre os alunos com deficiência intelectual. Considera-se necessário o desenvolvimento de estudos sobre as relações interpessoais estabelecidas entre: professores e alunos com deficiência intelectual; apoios educacionais e alunos em sala de aula; e também apoios educacionais e professores.

Diante dos resultados, fica evidente a importância da promoção de habilidades sociais, não só para os alunos com deficiência intelectual, mas para todos os alunos e professores, como forma de promoção das relações interpessoais em contextos escolares inclusivos.

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Sobre as autoras

Aline Maira da Silva possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e mestrado e doutorado em Educação Especial (Educação do Indivíduo Especial) pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente é professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). É líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação (GEPEI). Tem experiência na área de Psicologia e Educação, atuando, principalmente, nos seguintes temas: problemas de comportamento, relação família-escola, inclusão escolar, consultoria colaborativa escolar e deficiência intelectual.

Leticia Maria Capelari Tobias Venâncio é bacharela e licenciada em Psicologia pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) pela mesma instituição. Especialista em Saúde Mental pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Participa como membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Inclusiva (GEPEI). Tem experiência na área de Psicologia e Educação atuando com: habilidades sociais; problemas de comportamento; deficiência intelectual; inclusão escolar e saúde mental.

Mary Cristina Olimpio Pinheiro é mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação (PPGEdu) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Bacharelada e licenciada em Psicologia também pela UFGD. Participa como membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Inclusiva (GEPEI) da UFGD. Experiências nas áreas de Psicologia e Educação, atuando, principalmente, com os temas: habilidades sociais; análise do comportamento; deficiência intelectual; inclusão escolar; e saúde mental. Atualmente trabalha como psicóloga na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Dourados – MS.

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