Autoras: Michele Silva Sacardo, Sirlane V. S. Silveira
Introdução
A inclusão tem sido desafiadora para a educação (CUNHA, 2010); a inserção do alunado com deficiência provocou debates sobre a preparação do ambiente escolar e dos educadores para receber e elaborar alternativas pedagógicas para atender esse público, que pode apresentar particularidades diversas. Este trabalho tem o objetivo central de apresentar parte dos resultados de uma pesquisa que buscou responder à seguinte questão: Como e em que medida as políticas públicas de inclusão escolar voltadas para as pessoas com deficiência têm se manifestado no planejamento das escolas públicas de ensino comum do município de Jataí-GO, especificamente em seus Projetos Político-Pedagógicos? Para tanto, partiu-se da análise dos planejamentos escolares, tendo em vista compreender o que mudou e o que não mudou frente às políticas de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, para as pessoas com deficiência, nas escolas públicas de ensino comum do município de Jataí–GO.
Nessa direção, acreditamos que a educação tem por fim precípuo produzir em cada indivíduo singular sua humanidade, e aqui frisamos o termo: cada indivíduo singular, por termos a certeza de que todos os seres humanos, com deficiência ou não, têm direito a uma educação transformadora e humanizadora.
As pessoas com deficiência, ao longo da história, enfrentam desafios na busca de uma educação que suplante a cotidianidade e que lhes ofereça a oportunidade de se apropriarem dos conhecimentos elaborados ao longo dos anos pela humanidade. Claro que os problemas cotidianos têm sua importância, mas a escola não pode se limitar a isso. Não podemos negar a ninguém o acesso ao que de mais elevado o ser humano produziu e produz nas áreas das ciências, artes e filosofia; mas, infelizmente, esta ainda é uma luta em andamento.
Assim, na tentativa de seguir uma dinâmica de organização e apresentação de parte dos principais resultados da pesquisa, trataremos, primeiramente, das políticas públicas que permearam o debate sobre inclusão no Brasil; em seguida, apresentaremos as fases metodológicas desenvolvidas para a realização da pesquisa; por fim, apresentamos parte dos principais resultados advindos das análises dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP), como também as reflexões acerca das mudanças que os PPP das escolas municipais de Jataí apontaram para os alunos com deficiência.
Políticas públicas de inclusão educacional no Brasil
Para melhor compreendermos as propostas das políticas públicas de inclusão educacional vigentes em nosso país, uma das intenções da presente pesquisa é caracterizar esta política voltada para inclusão de pessoas com deficiência e identificar as bases teóricas dessas políticas em nível nacional, procurando contextualizar e entender esse processo dentro do sistema brasileiro de política educacional, especificamente no contexto da educação especial. Diante disso, preocupa-nos, por exemplo, se as políticas de Educação Especial têm favorecido a efetiva inclusão dessas pessoas nas escolas comuns, ou se o acesso tem sido apenas alargado, ou, ainda, se essas políticas buscam acabar ou apenas minimizar as desigualdades sociais.
Tendo como pano de fundo importantes declarações, quais sejam, Declaração Mundial de Educação para Todos, de Jomtien (1990), Declaração de Salamanca, de Salamanca/Espanha (1994), e a Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), o Brasil instituiu, em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/96), Lei nº 9.384. Este não foi o primeiro documento a tratar sobre a educação para todos, mas, sem dúvida, é um dos mais importantes, assim como a Resolução CNE/CEB nº2/2001, Documento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) e o Plano Nacional de Educação 2014/2024.
Página 48Pela primeira vez, a Educação Especial tem um capítulo específico dentro da LDB, o que significa, obviamente, avanço na conquista de direitos, mas, o texto traz consigo algumas contradições que merecem ser analisadas, dentre as quais destaca-se o entendimento de Educação Especial, como: “(...) a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos de necessidades especiais” (art. 58, grifo nosso). Este texto deixa claro que a Educação Especial não se trata de um nível de ensino, mas, sim, de uma modalidade, não podendo, portanto, substituir nenhum nível de ensino, o que, neste aspecto, representa avanço; entretanto, abre brecha com a palavra “preferencialmente”, como mostra Minto (2002): “Preferencialmente pode ser o termo chave para o não cumprimento do artigo, pois quem ‘dá primazia a’ já tem exceção arbitrada legalmente” (MINTO, 2002, p. 20, grifos do autor).
Nesse mesmo sentido, o mesmo artigo, em seu parágrafo segundo, também apresenta contradição quando diz: “O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular” (art. 58, § 2º). Pode-se perceber o foco centrado nas dificuldades da pessoa, nas suas condições pessoais, em sua deficiência. A educação não pode ser diferenciada baseada apenas neste aspecto; a Educação Especial é um complemento, não pode se tornar substitutiva.
Mais recentemente, as políticas de inclusão educacional no Brasil sofreram a influência da Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das pessoas com Deficiência (CDPD) (2006), que, através do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, entrou em vigor no nosso país. De acordo com Lopes (2014), a principal contribuição dessa Convenção foi:
Em seu contexto, uma das questões mais importantes trazidas à lume foi a consolidação de um novo paradigma sobre pessoas com deficiência: construído com participação social e negociação intensa entre os governos, a Convenção faz a transposição do olhar da exigência de normalidade dos padrões das ciências biomédicas para a celebração da diversidade humana. Pessoas com deficiência são seres humanos, sujeitos titulares de dignidade e, como tais, devem ser respeitados, independentemente de sua limitação funcional (LOPES, 2014, p. 26).
De acordo com a Convenção, no seu art. 1º:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2014, p. 26).
Observamos que essa Convenção traz em seu arcabouço a concepção social da deficiência, em que a sociedade, por meio de suas barreiras arquitetônicas, atitudinais, comunicacionais, são determinantes no agravamento de restrições sofridas por pessoas com deficiências. A deficiência não se encontra apenas no ser humano, mas em uma sociedade que é altamente incapacitante e excludente.
No tocante à educação, a Convenção de Nova Iorque coloca a transversalidade da E.E., da educação infantil até o ensino superior, aborda a formação de professores para o AEE, fala de adaptações razoáveis e faz uma articulação intersetorial na implementação de políticas públicas, entre outros pontos, permitindo-nos questionar a questão da qualidade quando se coloca “adaptações razoáveis” e a relação custo/benefício. E, de acordo com Santos (2014):
Página 49Com a finalidade de atender aos compromissos assumidos a partir da CDPD, o Brasil estabelece novos marcos legais, políticos e pedagógicos, relativos à educação especial, na perspectiva da educação inclusiva, objetivando a transformação dos sistemas educacionais em sistemas inclusivos (SANTOS, 2014, p. 160).
Assim, o documento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), desenvolvido sob forte influência da Convenção de Nova Iorque, traz, logo na sua introdução, sua concepção de educação inclusiva:
O movimento mundial pela educação inclusiva é uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação. A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola (BRASIL, 2008, p. 01).
Essa Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE – PEI) traz a educação especial não mais com a possibilidade de ser substitutiva do ensino comum, mas, sim, apenas como complementar e suplementar ao mesmo, sendo esta uma inovação ainda não apresentada nos documentos e leis anteriores.
A PNEE-PEI, juntamente com o Decreto nº 6.571 de 2008, que na época orientava sobre o AEE, e a Resolução nº 4/2009, que instituía as diretrizes operacionais do AEE na educação básica, modalidade educação especial, começam a dar novo modelo de funcionamento às escolas especializadas, que passam, nesse contexto, a oferecer apenas o AEE em parceria com as escolas da rede comum, não mais de forma única e segregadora. Essa nova política educacional transforma as escolas especiais sem, contudo, desconsiderar sua importância histórica no atendimento às pessoas com deficiência (ALVES, 2014).
Desenvolvimento da pesquisa
Foi realizada uma pesquisa de cunho documental e bibliográfico, em conformidade com os postulados de Marconi e Lakatos (2010), já que a literatura referente a pessoas com deficiência, assim como a legislação nacional e os documentos em que se fundamentam as diretrizes da educação municipal de Jataí – GO, concernentes a E.I., foram objetos de análise.
Dessa forma, investigamos o objeto de pesquisa por meio do uso de fontes bibliográficas e documentais (legislação, diretrizes e normas), com destaque ao período de 1990 a 2014, consubstanciando-nos em autores que se dedicam à discussão e à análise das políticas educacionais inclusivas neste mesmo período histórico.
Segundo Garcia (2015):
A análise documental tem sido uma forma facilitadora do acesso aos discursos políticos, os quais são veículos de sentidos e significados que contribuem na formação de concepções e na disseminação e incorporação de práticas. (...) A percepção de uma proposição de mudança social contida nos discursos políticos pode ser fundamental para compreender com que significação um conceito está sendo utilizado no conjunto de um discurso. Da mesma forma, a possibilidade de perceber que o sentido pode ser outro, a partir das condições de produção de um discurso (GARCIA, 2015, p. 124)
No levantamento bibliográfico, analisamos livros já publicados, dissertações de mestrado, teses de doutorado e artigos disponíveis nos bancos de dados nacionais, como o Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, e também das principais universidades públicas e privadas, utilizando os unitermos: educação inclusiva, alunos com deficiência, educação especial.
Página 50Na análise documental, foram objeto de estudo as legislações pertinentes à E.E. e E.I. em âmbitos nacional, estadual e municipal, sendo realizado um aprofundamento na análise municipal, em que buscamos refletir e compreender toda a estrutura que envolve a Secretaria Municipal de Educação (SME), especificamente no que concerne à E.E. e E.I. na primeira fase do ensino fundamental e também as concepções existentes na legislação que ampara essa modalidade de educação, documentos e diretrizes que direcionam os trabalhos da Secretaria e das unidades escolares, nesse último caso, os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) das escolas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 9394/96, em seu Artigo 12, inciso I, prevê que os estabelecimentos de ensino terão a incumbência de: “elaborar e executar sua proposta pedagógica”. Segundo a LDB/96, cada escola deverá desenvolver o seu PPP de acordo com sua realidade e usá-lo como documento norteador de suas ações. Esses documentos foram obtidos em sites oficiais, assim como cedidos pela SME e pelas instituições de ensino.
Para realização desta investigação, foram consideradas 60% de escolas do município que oferecem a primeira fase do ensino fundamental, sendo que esse nível de ensino público, em nosso município, é oferecido apenas pelas escolas municipais. A escolha desse nível de ensino deve-se ao fato de acreditarmos que a inclusão escolar precisa começar pela base, pois, se ela aqui se constituir de maneira forte, será um grande passo na busca da inclusão social. Às escolas municipais foi enviado um ofício (em anexo) requerendo a liberação para o acesso ao PPP de sua unidade, que disponibilizaram os mesmos para análise, que foi fundamentada em categorias.
Projetos políticos pedagógicos das escolas municipais: o que eles dizem
No presente estudo, foram objeto de análise 13 PPP das escolas municipais de Ensino Fundamental de Jataí, sendo 10 urbanas e 03 da zona rural, representando mais de 50% dos PPP das unidades escolares. De acordo com site da prefeitura, existem 27 escolas no município; entretanto, apenas 25 encontram-se em funcionamento, sendo que uma escola - Davi Ferreira - que atende alunos da segunda fase do ensino fundamental, está sob a responsabilidade do Estado, e a outra escola, Ubaldina Ribeiro, encontra-se fechada.
Os PPP analisados referem-se ao ano de 2015, uma vez que, no ato da coleta desses documentos, em março de 2016, as escolas ainda não tinham os documentos do presente ano, alegando que os mesmos estavam em processo de elaboração. A escolha por um percentual representativo de mais de 50% das escolas municipais parte da premissa de que esse quantitativo representa bem a realidade educacional do município de Jataí como um todo.
As análises realizadas nos PPP partiram de algumas categorias; apresentamos para o momento aquelas que se referem a questões estruturais e de funcionamento e o contexto pedagógico. A partir dessas categorias, observaremos como a E.E. tem ocupado seu espaço dentro das unidades escolares na promoção de uma escola inclusiva, e como ela tem sido instituída como direito dos alunos com deficiência.
Questões estruturais e de funcionamento
Para realizar a análise, a mesma será dividida em 4 subcategorias de investigação, quais sejam: estrutura física adaptada; organização administrativa; serviço de apoio pedagógico especializado ao aluno e ao professor; funcionamento da sala multifuncional.
Página 51Com relação à adaptação da estrutura física, que visa promover a acessibilidade de todos ao ambiente escolar, apesar de estar prevista na legislação - Decreto nº 5.296/2004, que regulamenta as Leis nº 10.048 e nº 10.098/2000, apenas 20% das instituições disse possuir instalações adequadas e adaptadas às pessoas com deficiência. Concluímos, assim, que a maioria, pelo menos em nível documental, não atende à legislação no que concerne à acessibilidade de prédios públicos.
Consideramos que as barreiras atitudinais inviabilizam o processo de inclusão escolar de uma forma muito mais significativa do que as barreiras físicas; contudo, estas também se fazem necessárias. Não obstante, por essa realidade apresentada, a maioria das escolas conta com espaços educativos diversos (biblioteca, sala de leitura, quadra), espaços esses que podem servir para práticas educativas diferenciadas e diversificadas, favorecendo um ensino voltado para a diversidade. Importante não esquecer que a acessibilidade física promove autonomia às pessoas com deficiência, e, consequentemente, maior é a possibilidade desse espaço se tornar para todos.
A organização administrativa de cada uma das instituições se diferencia devido à quantidade de alunos e de atendimentos oferecidos a esses estudantes. Um ponto positivo observado nesse contexto é que, em 100% das unidades escolares, os quadros de docentes apresentam-se majoritariamente com formação em nível superior, atendendo o que preceitua o PNE na sua meta 15 e o artigo 62 da LDB/96.
Nas escolas analisadas, nove (09) evidenciaram a presença do professor de apoio, o que corrobora com a legislação vigente, que prevê o direito de um suporte especializado para alunos e professores, disponibilizados pelos sistemas educacionais em todos os níveis, municipal, estadual ou federal, conforme preceitua o Parecer nº 17/2001.
Apesar da presença do profissional de apoio na maioria das escolas representar um avanço, observamos que a formação desse profissional não contempla uma especialização na área da E.E., como orienta a lei. Nenhuma delas possui formação inicial ou continuada que indique movimento no sentido da educação especializada, o que indica que são duas professoras na sala de aula, a regente da sala e a de apoio, com os mesmos conhecimentos no que se refere ao complexo contexto das deficiências.
A totalidade das escolas da zona urbana investigadas possui a sala multifuncional e oferece o AEE, assim como preconiza a lei. Todavia, em cinco (05) PPP há apenas a citação da existência da sala; três (03) apenas indicam que o atendimento ocorrerá no contraturno, sem maiores explicações; em apenas dois (02) PPP podemos perceber um movimento que vai ao encontro da efetiva proposta do AEE.
As duas escolas anteriormente citadas demonstram um maior entendimento da complexa proposta da inclusão escolar e que a mesma precisa ser refletida por toda comunidade escolar, não apenas pelas professoras de apoio e AEE, além de que o resultado dessa reflexão deve constar do PPP da escola. Uma escola que se pretende inclusiva necessita traçar os caminhos para que isso aconteça. Como acontecerá o AEE? E o currículo, como será trabalhado? Haverá práticas metodológicas diversas para atingir a heterogeneidade de alunos da escola? Como será desenvolvido o processo de avaliação? Essas são algumas perguntas, dentre outras, que deverão estar respondidas nos PPP das escolas.
Página 52Ação pedagógica
Sabemos da importância das adaptações físicas, da formação de professores, da previsão legal para que a inclusão escolar se materialize no chão das escolas; contudo, é no determinar como fazer, para quem fazer e com quem, que realmente a inclusão vai se efetivar. É no fazer pedagógico que se encontram as maiores oportunidades de acabar com preconceitos e superar barreiras impostas pelos mesmos, proporcionando a todos os alunos acesso ao conhecimento científico historicamente construído pelo homem, formando cidadãos críticos e participativos, por meio de uma educação de qualidade para todos.
Assim, foram objeto de análise, dentro da categoria da ação pedagógica, as seguintes subcategorias, que estarão agrupadas em um quadro (5) anexo: currículo adaptado, em que buscaremos por alguma consideração com relação ao conteúdo curricular para alunos que apresentem deficiências; estratégias metodológicas, em que será analisado se há proposta de metodologias diversificadas, principalmente no que concerne ao atendimento de alunos com deficiência; equipamento e/ou suportes, sendo considerados a utilização de materiais diversos no amparo às atividades pedagógicas e o uso de suportes por alunos que apresentam deficiências, como no caso de lupas para alunos com baixa visão, comunicação alternativa para alunos com dificuldades de comunicação, uso da máquina de braile para alunos com deficiência visual, entre outros; e, por fim, será investigado como se dá o processo de avaliação para os alunos com deficiência. Todas as análises foram realizadas tendo como ponto de atenção os alunos com deficiência.
Com relação ao currículo, observamos que 100% das escolas (13) disseram utilizar os PCN como documento orientador na elaboração de seus próprios currículos. Considerando a previsão de adaptações, a maioria 11 (90%) dos PPP não prevê nenhum tipo de adaptação curricular.
Para alunos com deficiência, essas adaptações podem significar o sucesso ou fracasso escolar. Um currículo fechado, engessado, feito para uma maioria “padrão”, geralmente, não é eficiente, nem mesmo para essa maioria; toda a turma ganha com um currículo flexível, enriquecido e pensado para uma diversidade.
Concordamos com Mendes (2002) que, talvez, uma das maiores dificuldades das unidades escolares, no sentido de efetivarem a inclusão, seja adaptar seus currículos às necessidades de seus alunos com deficiências; entretanto, a literatura tem apontado alguns caminhos e os professores regentes das salas comuns, juntamente aos professores especializados e contando com a colaboração da família, podem conseguir desenvolver um bom trabalho no sentido de oferecer adaptações curriculares que promovam o sucesso educacional de todos os alunos.
A história de nossa educação escolar foi concebida por estratégias metodológicas pensadas para uma maioria padronizada, sem diversificação, o que, com certeza, engessa o processo ensino-aprendizagem, uma vez que a diversidade de estratégias metodológicas favorece a aprendizagem de todos os educandos. Em uma escola que se pretende inclusiva, a previsão de diversas estratégias faz-se fundamental, de acordo com Souza (2009):
[...] para preencher a perspectiva de educar para a diversidade, a escola deve responder às necessidades que podem ser de diferentes naturezas, como: linguística, sensorial, cognitiva, física, emocional, socioeconômica ou outras. As estratégias metodológicas precisam atender às necessidades de cada um dos alunos matriculados na unidade escolar. Nesse contexto, não basta indicar uma série de estratégias, mas é imperioso escolher aquelas que correspondam às especificidades dos alunos (SOUZA, 2009, p. 93).Página 53
As análises realizadas nos PPP das escolas municipais de Jataí demonstram a evolução desse contexto e uma movimentação dessas escolas no sentido de oferecer aos seus educandos uma diversidade maior de estratégias de ensino. Em sete (55%) PPP consta a previsão de aulas com estratégias diversificadas, dinâmicas, interdisciplinares e contextualizadas. Não há referência aos alunos com deficiência, mas aulas desenvolvidas nessa perspectiva favorecem a todos os alunos. Em quatro (30%) dos documentos analisados, nada consta com relação às estratégias utilizadas. Em um (10%), encontramos referências no sentido de propor estratégias diferenciadas para alunos que apresentem alguma deficiência, constando como atribuição do professor do AEE. Novamente, vemos a responsabilidade de propor ações para alunos com deficiência colocada apenas para o professor do AEE. Não corroboramos com essa ideia, uma vez que a responsabilidade de promover ações e estratégias metodológicas para esses alunos é conjunta da professora da sala comum, professora de apoio, professora do AEE e coordenação pedagógica.
Com relação a equipamentos e recursos, nove (70%) dos PPP investigados não fazem referência à criação ou disponibilização dos mesmos para alunos com deficiência, sendo que os mesmos podem precisar de equipamentos ou recursos diferenciados dos utilizados pelos outros educandos para maximizar sua aprendizagem (SOUZA, 2009).
Apenas uma (08%) das escolas traz em seu PPP a menção a equipamentos e recursos específicos para alunos com deficiência. Diz o mesmo: “O Atendimento Educacional Especializado tem por objetivo identificar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas [...]” (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2015, ESCOLA nº 10). Reafirmamos que a promoção de ações no sentido de se construir uma escola inclusiva compete não somente ao profissional do AEE, tanto é que, no que se refere a equipamentos e recursos, Souza (2009, p. 93) diz-nos que: “Disponibilizar equipamentos e suportes de apoio pedagógico especializado é umas das atribuições das autoridades que administram e mantêm financeiramente cada uma das unidades escolares”.
Voltando nossos olhares para a avaliação proposta em cada PPP, deparamo-nos com o seguinte resultado: a totalidade deles (13 - 100%) fala que adota uma avaliação contínua e formativa; se cada unidade escolar trabalhar sua avaliação nessa vertente, de avaliação interpretativa e qualitativa, podemos dizer que, nas escolas investigadas do município de Jataí, as formas tradicionais de avaliação quantitativa e somativa não estão mais presentes no dia a dia da escola, o que representa um avanço para instituição de uma escola inclusiva. Porém, pesquisas revelam que essa avaliação pode constar apenas nos documentos e não ser uma prática no cotidiano das escolas. Sobre isso, Caseiro e Gebran (2008) refletem:
Ao observarmos a avaliação nos moldes em que se apresenta ainda hoje na grande maioria das instituições de ensino, percebemos que ela ainda é realizada predominantemente visando à exatidão de reprodução do conteúdo comunicado em sala de aula, prática que, de acordo com Mizukami (1986), reflete uma abordagem tradicional do processo de ensino-aprendizagem caracterizada pela simples transmissão de conhecimentos (CASEIRO e GEBRAN, 2008, p. 142).
Pesquisas como essa mostram-nos que a realidade encontrada nas salas de aulas ainda volta-se mais para os tradicionais modelos de avaliação, baseados apenas na quantificação de resultados, na mensuração da aprendizagem através de conceitos e notas.
Página 54Apesar da previsão legal de adaptação avaliativa, apenas uma (08%) das escolas analisadas prevê este tipo de avaliação em seu PPP:
A avaliação dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e/ou altas habilidades/superdotação deve ser elaborada através de parecer descritivo pelo professor da classe comum e do professor do Atendimento Educacional Especializado, considerando todos os aspectos do desenvolvimento da aprendizagem desses alunos. A avaliação final deve conter a indicação de permanência ou avanço nos diversos níveis de ensino, estabelecendo consenso entre professores, a equipe diretiva e a família dos alunos envolvidos (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2015, ESCOLA nº 10, grifo nosso).
Essa avaliação se direciona no sentido da participação de toda comunidade escolar na promoção de uma escola inclusiva, uma avaliação que procura interpretar o educando e seus conhecimentos, tendo como base de comparação seu próprio desenvolvimento, respeitando suas dificuldades e valorizando suas potencialidades.
Nessa análise realizada em treze (13) PPP de escolas municipais de Jataí, representando 60% da totalidade da pesquisa, podemos verificar que a educação inclusiva não se efetiva ainda, nem em nível documental. Apesar de todas as escolas se dizerem inclusivas e de oferecerem em seus espaços o AEE, de terem professores de apoio em seus quadros, percebemos que tudo isso é mais para o cumprimento de preceitos legais do que para efetivamente promover acesso, permanência e sucesso de todos dentro do contexto escolar. Faltam adaptações físicas, curriculares, metodológicas, de material; faltam professores especializados, falta conhecimento e, possivelmente, falta também vontade de tornar concreta uma escola para todos.
Considerações finais
Nas análises realizadas nos PPP, investigamos algumas questões estruturais e ações pedagógicas presentes nesses documentos que dizem como a inclusão de alunos com deficiência está acontecendo nesse espaço.
O serviço de apoio especializado ao aluno com deficiência está presente na maioria das escolas, contudo, são profissionais que não trazem em sua formação conhecimentos específicos na área da E.E., além do que são menos valorizados do que os professores regentes. Um sério problema a ser pensado e resolvido pelos que coordenam a E.E. do município.
Na totalidade das escolas urbanas investigadas, existe a sala multifuncional e o AEE é oferecido; em sentido contrário, no total de escolas rurais investigadas, a sala multifuncional não é uma realidade e, consequentemente, o AEE também não, o que representa um ponto de atenção devido ao fato de que em todas as regiões podem ser encontradas pessoas com deficiências. Esses educandos que se encontram na zona rural ficam desassistidos em suas necessidades? Todavia, observamos que as escolas urbanas que contam com o AEE em seus espaços ainda não entenderam sua importância, sendo que em seus PPP consta apenas a existência de tal atendimento; mas como ele acontece, em quais perspectivas, com quais estruturas de atendimento, quais seus sistemas de avaliação, entre outras considerações, não são preocupações, ainda, da comunidade escolar.
A avaliação adaptada, praticamente, ainda não é prevista por nossas escolas municipais, o que se torna um importante ponto de reflexão, uma vez que alunos com deficiências, agora, são uma realidade em praticamente todas as escolas, o que torna imperioso que as mesmas revejam suas formas de avaliação tradicionais e excludentes.
Página 55As análises dos PPP reforçam a realidade de que a inclusão educacional em Jataí nem sequer está prevista nos principais documentos que orientam as unidades escolares, o que representa uma grande preocupação, porque precisa existir a previsibilidade de ações no sentido de tornar a escola inclusiva, para que depois ela realmente se transforme; se nem a previsão existe, consequentemente, a inclusão não se tornará uma realidade. No entanto, é importante pontuarmos que essas instituições existem num contexto social no qual a inclusão social também ainda não é real. Nesse sentido, as instituições educacionais apenas têm reproduzido o que se vê em sociedade, razão pela qual reforçamos a necessidade da escola em buscar por caminhos que transformem suas práticas, hoje apenas reprodutoras, em práticas emancipadoras.
Este estudo apresentou algumas limitações no que se refere à investigação da realidade educacional atualmente vivida pelas pessoas com deficiências nas escolas municipais de Jataí/GO, mas entendemos que o objetivo foi alcançado, não no sentido de ter esgotada a discussão ou de inferirmos sobre o fato de os PPP das unidades escolares pouco compreenderem a complexa proposta de uma educação inclusiva da qual todos se dispõem, sem, contudo, conseguirem garanti-la nem mesmo em nível documental. Mas, sim, pelo fato de compreendermos essa realidade dentro de um contexto maior, e, a partir daí, trazermos algumas sugestões para superação dessa atual realidade de exclusão ainda vigente no nosso sistema educacional, com vistas a tornar a educação municipal de Jataí uma educação democrática e voltada para a emancipação humana.
Sobre as autoras
Michele Silva Sacardo possui graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU/2003), mestrado em Educação Especial pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos (PPGEEs/UFSCar-2006) e doutorado em Educação (PPGE) na linha de pesquisa História, Filosofia e Sociologia da Educação pela Universidade Federal de São Carlos (2012). Atualmente é professora nos cursos de Educação Física e no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG/Regional Jataí) e integrante de pesquisa pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Tem experiência docente e em pesquisa na área da Educação e Educação Física, e trabalha com temas amparados pelos fundamentos históricos e filosóficos, relacionados a teorias do conhecimento e as análises significativas da produção científica em diferentes contextos e áreas do conhecimento; as políticas de pós-graduação stricto-sensu; formação de professores; as teorias pedagógicas da educação e educação física. Coordena o grupo de pesquisa Sociedade, Cultura e Formação Humana (PPGE/UFG/Regional Jataí); participa dos grupos de pesquisa Análise da Produção do Conhecimento em Educação (PPGE/UFSCar), EPISTEF Nordeste/Paideia/Unicamp e do NESEC (UFG/Regional Jataí).
Sirlane Vicente De Sousa Silveira possui graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Goiás (UFG/1997); graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Jataí (Faculdade Cesut/2002); licenciatura em Pedagogia pelo Centro Universitário do Instituto de Ensino Superior (COC/2012); especialização em Educação Infantil pela Universidade Federal de Goiás (UFG/2006); pós-graduação latu sensu em Psicopedagogia com Ênfase no Ensino Especial e Educação Inclusiva (2011). Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Goiás - Regional Jataí (UFG/2017). Atualmente é professora efetiva da rede estadual e municipal de ensino de Jataí-GO, na função de professora de apoio e coordenadora pedagógica.
Página 56Referências
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