Educação Especial e Inclusão Pesquisas do Centro Oeste Brasileiro

A educação especial e inclusiva no PNE e no PDE-DF: Análise de implementação da meta 4 no âmbito do sistema público de ensino do Distrito Federal

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Autores: Amaralina Miranda de Souza, Roger Pena de Lima

Introdução

A luta por uma educação pública, democrática e de qualidade socialmente referenciada tem permeado o debate público brasileiro desde a década de 30, apontando para a necessidade de construção de um projeto de educação para o País que pudesse romper com a realidade educacional constituída “sem unidade de plano e sem espírito de continuidade”, enfim “tudo fragmentário e desarticulado” (MANIFESTO, 1932)

Essa trajetória, marcada por disputas políticas, interesses hegemônicos e pelos contornos de projeto nacional propostos em diferentes períodos da história brasileira, perpassa o Manifesto dos Pioneiros da educação, a Constituição de 1988, o Plano Nacional de Educação (PNE) 2001 e alcança o debate do PNE 2014 (BRASIL, 2014).

Concebido a partir do princípio do Federalismo cooperativo, segundo o qual “a decisão comum, tomada em escala federal é adaptada e executada autonomamente por cada ente federado, adaptando-a as suas peculiaridades e necessidades” (BERCOVICCI, 2004, p.56) determinou que no decorrer de seu primeiro ano, se procederia à elaboração ou adequação dos planos dos entes federados, em consonância com as diretrizes propostas no texto nacional.

O Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014) foi organizado em 20 metas e suas respectivas estratégias, que “revelam os principais desafios para as políticas públicas brasileiras e oferecem direções para as quais as ações dos entes federativos devem convergir, com a finalidade de consolidar um sistema educacional de qualidade” (DOURADO, 2016, p.7).

Dentre as metas que dizem respeito à redução das desigualdades e à valorização da diversidade se destaca a Meta 4, que estabelece o dever de garantir a universalização do atendimento escolar aos estudantes entre 4 e 17 anos com Deficiência, TGD e Altas Habilidades/Superdotação, de preferência em turmas comuns, com garantia de atendimento educacional especializado, classes, escolas ou serviços especializados.

Seguindo a determinação expressa no PNE, o Distrito Federal, ao formular o Plano Distrital de Educação do DF (PDE-DF), buscou contemplar as diretrizes contidas na Meta 4 do PNE, com a preocupação de adequá-las às peculiaridades locais. Dessa forma, a Meta 4 do PDE-DF propõe universalizar o acesso à educação para os estudantes com deficiência, TGD, Altas Habilidades/superdotação, com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH, ou qualquer outro transtorno de aprendizagem, independentemente da idade, garantindo a inclusão na rede regular de ensino ou conveniada e o atendimento complementar ou exclusivo, quando necessário.

A análise do processo de implementação da Meta 4 do PNE e da Meta 4 do PDE-DF foi realizada por meio de consultas a documentos e entrevistas com os sujeitos envolvidos, com vistas a recuperar o processo de formulação do texto da Meta 4 do PNE e da Meta 4 do PDE-DF. Inicialmente, buscou centrar-se no processo de implementação focando na compreensão que os agentes de implementação têm em relação à política analisada e nos contextos políticos, econômicos e sociais, para posteriormente analisar os resultados alcançados pelo Sistema Público de Ensino do DF no período que compreende o 1º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE e do PDE-DF.

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Método e procedimentos de pesquisa

Esta pesquisa, pautada pela abordagem qualitativa, definida por Creswell (2010, p. 26) como “um meio para explorar e entender o significado que os indivíduos ou os grupos atribuem a um problema social ou humano”, optou pelo Estudo de Caso que, de acordo com Yin (2005), tem sido de grande valia em pesquisas de cunho qualitativo nas quais o importante “não é saber o que e o quanto, mas o como e o porquê” (p. 19).

Para compreender o processo de implementação da Meta 4 do PNE e da Meta 4 do PDE-DF foram selecionados como campo de estudo setores da Administração Pública Federal e do Distrito Federal cujos sujeitos envolvidos de alguma forma têm relação com o processo de implementação, seja em questões de financiamento, de gestão de pessoas, de planejamento ou de avaliação. Para compreensão do leitor, as referências aos sujeitos que atuavam na Câmara Federal estarão identificados com as letras A e B, os que atuavam no Ministério da Educação, com as letras C, D e I, já os sujeitos que atuavam na Secretaria de Educação do DF estarão identificados com as letras E, F, G, H, J e K.

Foram utilizadas como estratégias de coleta dos dados a Análise documental, as Entrevistas Semiestruturadas com sujeitos envolvidos na formulação e na implementação da política analisada e a Roda de Conversa com professores atuantes em Salas de Recursos Multifuncionais - SRM da Rede Pública de ENSINO do DF. Os dados foram categorizados e analisados utilizando as orientações da teoria de Análise de Conteúdo de Bardin (BARDIN, 2010).

Análise e discussão dos dados

Esta fase da pesquisa consistiu em analisar e interpretar as informações obtidas com base na teoria da Análise de Conteúdo (AC) de Bardin (2006), segundo a qual trata de um conjunto de técnicas de análise das comunicações que se utiliza de procedimentos sistematizados para a descrição do conteúdo das mensagens produzidas para assim possibilitar sua interpretação. Segundo a autora, a AC está organizada em três etapas distintas: pré-análise, que se constitui na seleção do material e sistematização das ideias iniciais; Exploração do material, que pode ser definida como a etapa em que os materiais são explorados com a definição de categorias, fazendo nesse momento a descrição analítica do material; e por fim a fase de tratamento dos dados, inferências e interpretações dos resultados.

Para se chegar às categorias identificadas, inicialmente foi necessário compreender o sentido das falas dos sujeitos pesquisados no decorrer da pesquisa e considerar as porções textuais que mais colaboraram para elucidar os objetivos do estudo.

Para a interpretação dos resultados, buscou-se o diálogo entre os dados obtidos, o referencial teórico e o objetivo de estudo pretendido, levando em consideração as porções textuais que colaboraram para responder as questões levantadas. Para fins desse artigo, serão discutidas quatro das nove categorias identificadas no estudo realizado, que estão mencionadas a seguir: 1- A formulação da Meta 4 do PNE e da Meta 4 do PDE-DF; 2-Compreensão dos agentes de implementação; 3-Contexto de implementação; 4-Resultados alcançados pelo Sistema Público de Ensino do DF.

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3.1 A formulação da meta 4 do PNE e da meta 4 do PDE-DF

Embora o foco do presente estudo tenha sido analisar a implementação da Meta 4 do PNE (BRASIL, 2014) e da Meta 4 do PDE-DF (DISTRITO FEDERAL, 2015) no âmbito do Sistema Público de Ensino do Distrito Federal, evidenciou-se, a partir das falas dos sujeitos envolvidos, a necessidade de abordar seu processo de formulação.

Ao retomar ao estudo do processo de formulação, partiu-se do pressuposto de que é necessário compreender o ciclo de políticas públicas como “processos contínuos, e muitas vezes sobrepostos metodologicamente” (LOTTA, 2010, p. 24), que embora possa ser dividido em estágios distintos: agenda, formulação, implementação e avaliação, acabam por entrelaçar-se (LIPSKY, 2010), fazendo com que a implementação seja percebida como um processo que não é independente da formulação (HILL E HUPE, 2002).

Nesse sentido, houve a necessidade de considerar a expressão das disputas evidenciadas dos polos antagônicos de poder e dos atores que influenciaram a construção do texto, tendo em vista que, segundo Frei, (2000), “as disputas políticas e as relações das forças de poder sempre deixarão suas marcas nos programas e projetos formulados e implementados” (p. 213).

Ao analisar a proposta do texto do PNE enviada à Câmara, identificou-se que o texto inicial da Meta 4 do PNE propunha “universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e Altas Habilidades/Superdotação na rede regular de ensino”.

Identificou-se que o processo legislativo foi marcado por intensa polarização entre os que entendiam que a inclusão do termo preferencialmente em sua redação feria a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que garante “um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida” (ONU, 2006), e aqueles que defendiam a manutenção das escolas e classes especiais, baseando-se na Resolução CEB/CNE 02/2001 (BRASIL, 2001).

Esta Resolução prevê que estudantes que necessitem de “recursos, ajudas e apoios intensos e contínuos, bem como adaptações curriculares tão significativas que a escola comum não consiga prover, podem ser atendidos, em caráter extraordinário, em escolas especiais”.

Tais disputas foram evidenciadas na fala do Sujeito A, que participou ativamente do processo de formulação do texto da Meta 4, ao relembrar as propostas distintas que dominaram o processo de formulação:

Você tinha uma proposta de reproduzir um pouco a redação da LDB, que era prioritariamente na Rede Pública. Você atender essa clientela prioritariamente na Rede Pública, em classes comuns, deixando uma brecha para que ela fosse atendida também pelas instituições com atuação exclusiva na educação especial, no caso as APAES. Houve negociação para você no caso, por exemplo, no FUNDEB, ter uma contagem dupla. Então você tinha essa brecha para de uma maneira criar uma coexistência entre a matrícula na Rede Pública e o contra turno na instituição privada e era uma acomodação que eu pessoalmente encarava positiva, já que embora tenha uma diretriz, um norte, que seria a inclusão, não fica assim tão engessado. E uma segunda proposta mais dogmática, dos que marcavam posição em favor de uma política digamos inclusivista radical (Sujeito A – Câmara Federal).

A partir do resgate do processo de formulação da Meta 4 do PNE, foi possível apontar os principais grupos divergentes e suas concepções em relação à Meta 4 que está mostrado na Figura 1 a seguir, em forma de balança, que representa a correlação de forças a favor e contra das concepções no momento de formulação:

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Legenda: Figura 1. Principais grupos divergentes e suas concepções no momento de formulação da Meta 4 do Plano Nacional de Educação

Como resultado das disputas evidenciadas no processo legislativo, Sena (2014) aponta que no embate entre aqueles que defendiam a educação inclusiva na rede pública e os que “reivindicavam um atendimento educacional especializado complementar, foram bem sucedidas as APAES que, ao apoiarem o último grupo, conseguiu que fosse mantida a expressão preferencialmente”(p.22), fazendo com que no texto final aprovado e sancionado constasse a seguinte redação:

“Universalizar, para a população de quatro a dezessete anos com deficiência, Transtornos Globais do Desenvolvimento e Altas Habilidades ou Superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados” (BRASIL, 2014).

Já o processo de formulação da Meta 4 do PDE-DF, construída a partir das definições constantes no PNE, também se mostrou acirrado e alvo de disputas entre forças dicotômicas. Contudo, diferentemente das disputas envolvendo a formulação da Meta 4 do PNE, as disputas evidenciadas no decorrer da tramitação do PDE aconteceram em relação ao público-alvo a ser contemplado pela Meta 4, estabelecendo forte embate entre os setores que buscavam ampliar o escopo de estudantes contemplados com o texto da Meta 4 e os setores contrários, chegando à seguinte redação:

Universalizar o atendimento educacional aos estudantes com deficiência, transtorno global do desenvolvimento, altas habilidades ou superdotação, com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade – TDAH, ou qualquer outro transtorno de aprendizagem, independentemente da idade, garantindo a inclusão na rede regular de ensino ou conveniada e o atendimento complementar ou exclusivo, quando necessário, nas unidades de ensino especializadas (DISTRITO FEDERAL, 2015).

Assim, no PDE-DF, mantém-se a possibilidade de coexistência entre a inclusão e o atendimento exclusivo, e optou-se por ampliar o escopo de estudantes atendidos, conforme pudemos constatar no texto da Meta 4.

A compreensão dos agentes de implementação da meta 4

A literatura aponta que ao se analisar a implementação de uma política é necessário ter um olhar acurado a respeito da compreensão que os atores envolvidos nesse processo têm em relação ao seu real propósito, tendo em vista que esse é o momento de tradução das políticas que emergiram do intrincado processo de formulação (HILL, 2006), o que acaba por possibilitar que os agentes de implementação ressignifiquem a política formulada (LOTTA, 2010).

Medeiros e Ferreira (2015), ao refletirem sobre a possibilidade de que a compreensão dos agentes de implementação sobre a política acabe por afetar sua implementação e seus resultados, apontam também que uma das ações primordiais dos analistas de políticas públicas “tem sido compreender o porquê das diferenças entre a política formulada e a política realizada” (p. 784).

Cientes dessa questão buscou-se analisar a compreensão que os agentes de implementação têm em relação ao proposto na Meta 4 do PNE e na Meta 4 do PDE-DF.

Em relação à compreensão das questões filosóficas envolvendo a Meta 4 do PNE, uma questão recorrente na fala dos sujeitos esteve relacionada à influência que o termo “preferencialmente”, presente no corpo da Meta 4 do PNE (BRASIL, 2014), traria à Educação Especial e Inclusiva.

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Parte significativa dos sujeitos entrevistados percebe que o termo “preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 2014) se constituiu como um reconhecimento da realidade existente nas escolas brasileiras, além de resultado da pressão de grupos atuantes no Estado e na Sociedade. Tal percepção pode ser ilustrada pela fala do Sujeito C:

O que eu entendo é que essa outra opção que é avistada, ela não foi criada pelo termo preferencialmente. Aliás, esse termo reconhece uma realidade que já existe no Brasil. Não é porque ele foi colocado em texto que ele enfraquece o movimento de inclusão, pelo contrário. Qualquer movimento de inclusão que não dialoga com essa realidade resistente no Brasil é um movimento que é fadado a esconder debaixo do tapete uma realidade que não vai acabar, vai continuar existindo, vai continuar se movimentando e continuar procurando espaços de existência. (SUJEITO C - MEC).

Similarmente ao que ocorreu em relação à Meta 4 do Plano Nacional de Educação, os sujeitos de pesquisa também evidenciaram questões conceituais relacionadas à Meta 4 do Plano Distrital de Educação do DF, buscando relacioná-las às políticas locais e nacionais de Educação Especial/Inclusiva.

Em relação à manutenção dos Centros de Ensino Especial vinculados à SEDF, definidos como “instituição especializada de atendimento educacional e de desenvolvimento humano de estudantes com deficiência, dispondo de programas e de procedimentos metodológicos específicos, bem como equipamentos e materiais didáticos adequados” (DISTRITO FEDERAL, 2010), os respondentes se posicionaram a favor da existência desses centros de ensino. Para ilustrar essa posição, tomemos a fala do Sujeito E:

A gente defende a necessidade do Centro Especial e das Classes sim, por que nós temos alunos que por um momento, ou neste momento, ou para toda vida não terão essa condição de estar na inclusão. A gente tem muitas experiências, mas a manutenção dos Centros é necessária para essa clientela que necessita de um trabalho mais específico (SUJEITO E – SUBEB).

Já em relação aos distanciamentos entre a Meta 4 do PNE e a Meta 4 do PDE, a ampliação do escopo de atendimento figurou entre a questão mais lembrada pelos sujeitos, ao apontarem que ao estabelecer um público diverso, o DF terá que ampliar suas ações para alcançar a sua consecução:

A Meta 4 tem distanciamento, porque a gente colocou sem idade, e você sabe que no PNE tem uma idade e a nossa não. A gente colocou sem restrição, então é de todo mundo. Nós colocamos muito mais transtornos, então todas nossas metas praticamente a gente avançou um pouquinho mais em cada uma. E isso vai complicar a implementação (SUJEITO H – SEDF).

Entre os motivos que levaram o DF a ampliar o escopo de atendimento da Meta 4 foram apontadas pelos entrevistados, a Lei Distrital 5.310/14 (DISTRITO FEDERAL, 2014), que versa sobre a obrigatoriedade de oferta educacional durante toda a vida aos estudantes da Educação Especial e as demandas sociais para garantir a universalização da oferta de vagas e de AEE para os estudantes com transtornos funcionais.

Partindo da compreensão dos agentes de implementação, foi possível estabelecer (figura 2) os principais distanciamentos entre o que se estabeleceu no PNE e no PDE-DF que demandarão maior atenção no momento de implementação:

Legenda: Figura 2. Distanciamento entre a meta 4 do PNE e do PDE-DF na visão dos sujeitos. Fonte: Entrevistas semiestruturadas e roda de conversa. Elaboração própria.

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A totalidade dos agentes de implementação apresentou a compreensão de que tais distanciamentos acabam por impactar na implementação no contexto do DF, tendo em vista que em suas falas foi recorrente o debate de que tais distanciamentos, em especial na ampliação de direitos realizados no PDE-DF, não estão contemplados no PNE e devem ser garantidos pelo Governo do Distrito Federal.

Por fim, as falas evidenciaram pontos de divergência na compreensão dos agentes de implementação envolvidos no estudo, em especial no que se refere à obrigatoriedade de oferta de Salas de Recursos Multifuncionais, conforme falas apresentadas no quadro 1 a seguir:

Quadro 1. Divergências na compreensão dos agentes de implementação Fonte: Entrevistas semiestruturadas realizadas com agentes de implementação.
Sujeito C (MEC) A meta é a inclusão dos alunos nas escolas e no Atendimento Educacional Especializado, que não é igual à Sala de Recursos, então o que deve ser garantido é o AEE, não Sala de Recursos. Sala de Recurso é o espaço físico, Atendimento Educacional Especializado é o processo que contém o espaço, os recursos, o professor especializado a escola como um todo. Um planejamento para o aluno, um trabalho pedagógico desenvolvido na sala de aula. Então, o chamado AEE é muito mais que o recurso e o próprio espaço físico.
Sujeito G Professor SRM Eu acho inconcebível qualquer desvinculação entre a garantia de AEE e a garantia da Sala de Recursos, a Sala de Recursos é um espaço físico, no qual acontece o trabalho com o aluno e a articulação entre o professor do AEE e o da Classe Comum. Na minha concepção não existe a possibilidade de universalizar o AEE sem universalizar as Salas de Recurso.

Tais divergências indicam a necessidade de se ampliar o debate acerca das reais intenções dos formuladores da política analisada, tendo em vista que a multiplicidade de interpretações do real sentido proposto na formulação pode acabar por levar a resultados diametralmente opostos aos esperados no momento de formulação.

Contextos de implementação

A literatura acerca do processo de implementação de políticas públicas tem apontado para a importância de se levar em conta a influência que o contexto tem sobre a política e seus resultados. D’Ascenzi e Lima (2013) chamam a atenção para três contextos importantes: o contexto político, que “diz respeito, fundamentalmente às mudanças de governo e ao apoio das elites”, o contexto social, “comumente relacionado ao apoio público à política” e o contexto econômico, que “influencia a disponibilidade de recursos, essencial para o sucesso da implementação” (p.103).

Nesse sentido, destaca-se que os contextos políticos, sociais e econômicos envolvidos na implementação do PNE, e, consequentemente, do PDE-DF se mostram complexos e diversos daqueles estabelecidos na formulação, em virtude das abruptas mudanças nos cenários políticos e econômicos estabelecidos nos últimos anos.

Em relação ao contexto político, em especial no nível nacional, os sujeitos pesquisados apontaram preocupação com o quadro de instabilidade política pelo qual o país atravessa:

A gente não tem como negar que o momento que o país vive, embora não seja nossa função aqui fazer julgamentos a respeito de tais situações, o momento econômico, político, social e institucional que o país vive certamente dificulta também isso, veja que é um momento complexo, com grandes incertezas. (SUJEITO I - FNDE).

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Essa e outras falas registradas na pesquisa evidenciaram a preocupação com a mudança de panorama político, com as dificuldades econômicas e com a instabilidade política que alcançou seu ápice no afastamento da presidente eleita.

Em relação ao contexto econômico, que segundo D’Ascenzi e Lima, (2013, p.103), “influencia a disponibilidade de recursos, essencial para o sucesso da implementação”, o quadro se mostra bastante desafiador na visão dos sujeitos, já que tem se configurado um cenário marcado pela a restrição do gasto público, em especial com aprovação da PEC 241/2016 (BRASIL, 2016), que suprime o artigo 212 da CF e limita aplicação de recursos ao valor gasto no ano anterior corrigido pelo IPCA.

Se o contexto econômico na União parecia bastante desafiador, o contexto do Distrito Federal também tem sido uma constante preocupação para os agentes de implementação, tendo em vista a crise fiscal vivenciada pelo DF.

A partir das falas dos sujeitos responsáveis pela implementação em nível distrital, ficou evidenciada a preocupação de que o contexto econômico, marcado pela redução dos gastos em Educação, acabasse por influenciar negativamente a consecução das Metas estabelecidas, em especial a Meta 4, tendo em vista que no caso do DF, ela teve seu escopo ampliado, cabendo ao governo local arcar com o investimento das ações não previstas no PNE. Essa preocupação foi externada, entre outros, pelo Sujeito H:

Então acho que há uma percepção, de mais ou menos de um todo, que o que mais pegou foi o momento complicado no qual temos que implementar a Meta 4 do PDE-DF, e sabendo que ela traz responsabilidades ao Distrito Federal que não foram previstos no PNE, foi a área financeira que realmente nesse governo ficou bem aquém do que deveria pela falta de orçamento. Há um grande contingenciamento de recursos (SUJEITO H- SEDF)

As falas dos sujeitos apontaram também que embora a situação financeira gerasse preocupação por parte dos agentes de implementação e os dados disponíveis apontassem a redução dos investimentos em educação tanto na União quanto no DF, houve demonstração de otimismo por parte de alguns sujeitos ao afirmarem que um contexto complexo pode acabar sendo uma oportunidade para melhorar a gestão pública. Essa visão está expressa na fala do Sujeito I, que atua no FNDE:

Mas como sou muito otimista, tenho muita fé no futuro, tento ver isso não apenas como problema, mas também como oportunidade de novas iniciativas, novas medidas, é hora de inovar, de ter cuidado para não haver desperdício desnecessário de recursos, de melhor qualificar o gasto público para isso e mais ainda, de melhora na governança.

Por fim, em relação ao contexto social, que está diretamente ligado ao apoio da sociedade à política (LIMA e D’ASCENZI, 2013), por se tratar de um tema sensível à população, que em geral apoia a ampliação do acesso educacional, e pela força das coalizões de interesse (TEIXEIRA, 2002) como as APAES, os entrevistados apontaram que não percebem mudanças em relação ao contexto social.

Resultados alcançados no processo de implementação

Nessa seção serão analisados os resultados alcançados pelo Sistema Público de Ensino do DF no processo de implementação da Meta 4 do PNE e da Meta 4 do PDE-DF após os três anos de promulgação do PNE e 2 anos de promulgação do PDE-DF.

Essa análise foi realizada a partir da consulta a documentos tais como: Relatório do 1º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE: Biênio 2014-2016 (BRASIL, 2016), Estudos realizados pela Câmara Legislativa do DF e pela Subsecretaria de Planejamento e Avaliação da SEDF, Análises da Gerência de Monitoramento do PDE-DF e Acompanhamento do Sistema Integrado de Gestão Governamental (SIGGO-DF).

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Assim, os resultados obtidos têm como base os seguintes dados: a. Quantitativo de estudantes com deficiência com acesso à escola; b. Atendimento em Turmas Comuns de estudantes com Deficiência, TGD e Altas Habilidades/Superdotação; c. Quantitativo de Salas de Recursos Multifuncionais e percentual de estudantes atendidos no AEE; d. Quantitativo de estudantes com transtornos atendidos nas Salas de Apoio a Transtornos; e. Quantitativo de Escolas com vias, banheiro e acesso adequado.

O percentual de estudantes com Deficiência, TGD e Altas Habilidades com idade entre 4 e 17 anos, que frequenta a escola no Distrito Federal foi de 91,1%, segundo o Relatório do 1º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE: Biênio 2014-2016 (BRASIL, 2016). Cabe apontar que o DF ampliou o escopo de atendimento para qualquer idade e incluiu os estudantes com transtornos, não sendo possível o monitoramento tendo em vista a inexistência de pesquisas censitárias com esse recorte.

Já em relação ao percentual de estudantes com deficiência, TGD e Altas Habilidades matriculados em classes comuns, os dados levantados apontam que a taxa de inclusão saltou de 74,3% para de 76,7%, havendo, dessa forma, uma variação positiva de 2,4% no período posterior à aprovação do PNE e do PDE-DF.

Quanto aos percentuais de escolas com SRM e de alunos atendidos no AEE, temos: o número de escolas com SRM, segundo dados do Censo Escolar (BRASIL, 2017) de 74,3%, em 2013, passou para 78,10%, em 2016, uma variação de 3,8% no período. Já o percentual de estudantes atendidos no AEE saltou de 46,7%, em 2014, para 53,1%, em 2016.

Em relação às ações voltadas para garantir acessibilidade, os dados mostram que o percentual de escolas com banheiros adequados saltou de 76,2%, em 2014, para 78,9%, em 2016. Já o percentual de escolas com dependências e vias adequadas subiu de 61,6%, em 2014, para 68,4%, em 2016, dados demonstrados no Gráfico 1 a seguir:

Com a inclusão dos estudantes com Transtornos no texto da Meta 4 do PDE-DF, houve a obrigatoriedade de oferta dos serviços de apoio à aprendizagem, em especial a oferta de Salas de Apoio a Estudantes com Transtornos. Embora não seja possível apontar o percentual populacional que apresente algum tipo de transtorno, por falta de pesquisas censitárias, existe a recomendação importante de se estabelecer algum tipo de monitoramento. Dessa forma, trazemos o quantitativo de estudantes atendidos em Salas de Apoio, levantado pela pesquisa:

Legenda: Gráfico 1. Resultados Alcançados no DF ao final do 1º Ciclo de Monitoramento. Fonte: Censo Escolar INEP 2016.

Legenda: Gráfico 2. Alunos com transtornos atendidos em Sala de Apoio. Fonte: Censo Escolar/SUPLAV/SEDF.

Conforme apontam os dados mostrados, podemos constatar que entre os anos de 2014 e 2016, o acesso dos estudantes com transtornos funcionais às Salas de Apoio saltou de 1.652 estudantes para 2.141 estudantes, apresentando uma ampliação de 36,4%.

Considerações finais

Os resultados desse estudo proporcionaram, a partir da visão dos sujeitos de pesquisa, reflexões acerca do processo de implementação da Meta 4 do PNE e da Meta 4 do PDE-DF no âmbito do Sistema Público de Ensino do DF, que merecem atenção da de todos os agentes envolvidos no processo de implementação.

Dentre as principais questões desveladas no estudo tem destaque o processo de formulação da política, no qual ficou evidenciado o embate entre os que defendiam a inclusão total e aqueles que defendiam a coexistência entre a inclusão e o atendimento exclusivo, no qual o segundo grupo, capitaneados pelas APAES, se sagrou vitorioso.

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Em relação à compreensão dos agentes envolvidos na implementação, foram evidenciados pontos de divergência na compreensão dos agentes de implementação envolvidos no estudo, indicando a necessidade de se ampliar o debate acerca das reais intenções dos formuladores da política analisada, tendo em vista que a multiplicidade de interpretações do real sentido proposto na formulação pode acabar por levar a resultados diametralmente opostos aos esperados no momento de formulação.

Outra questão a ser levada em consideração no processo de implementação são os contextos social, político e econômico, que foram compreendidos como diversos do contexto da formulação, e que podem acabar por interferir na consecução da política analisada. O estudo, ao se debruçar sobre dados estatísticos relacionados à Educação Especial e Inclusiva no DF, apontou a existência de avanços no que se refere às questões de oferta educacional, inclusão e acessibilidade, ainda que em ritmo abaixo do ideal para a consecução da Meta 4 no prazo previsto.

Por fim, ao se debater a compreensão que os agentes de implementação envolvidos têm em relação à Meta 4 do PNE e do PDE-DF, uma discussão bastante significativa veio à tona: a coexistência entre as escolas inclusivas e as escolas especiais, já que nas falas dos sujeitos da pesquisa foi recorrente a concordância com a necessidade de manutenção das escolas especiais, tendo em vista, segundo a fala dos entrevistados, a existência de inúmeras realidades vivenciadas nas escolas brasileiras. Compreende-se a necessidade apontada de que essa visão por parte dos agentes de implementação deve ser analisada mais profundamente, em outros estudos dessa natureza, tendo em vista que ela pode influenciar, não só as políticas Especial e Inclusiva vigentes, mas, sobretudo, as que efetivamente forem construídas no desenrolar do processo de implementação das referidas Metas.

Sobre os(as) autores(as)

Amaralina Miranda de Souza, Doutora em Ciências da Educação pela Universidade Nacional de Educación à Distância - UNED - Espanha (2006), é mestre em Educação Especial pela Universidade de Salamanca - Espanha (2000). Tem especialização na área da Educação Especial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ -1980) e na área da Educação à Distância pelo Instituto Ibero Americano de Educación a Distância - IUED / UNED - Espanha - (2000). Graduada em Psicologia pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (UniCEUB/1977), tem experiência em atendimento clínico e terapêutico de crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem. Professora Adjunta da Universidade de Brasília/UnB, na Faculdade de Educação/TEF, atua na área de Educação Especial e Inclusiva e integra o Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE da UnB como orientadora do Mestrado Acadêmico, linha de pesquisa Educação, Tecnologias e Comunicação - ETEC. Tem ministrado disciplinas, realizado estudos e publicações sobre Educação Inclusiva, Pedagogia Hospitalar, Pesquisa, Tecnologias na Educação Especial e Inclusiva. Tem participado do Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa -PNAIC/ CFORM/UnB para contemplar a perspectiva inclusiva na formação dos orientadores de estudos e professores de alfabetização do Sistema de Ensino Público do Distrito Federal. Tem trabalhado em equipe multidisciplinar para construção de software educativo para apoio ao trabalho pedagógico de estudantes com deficiência intelectual, pelo qual recebeu o prêmio PAPED/MEC 2004 Objetos de Aprendizagem, pela construção do software educativo “Hércules e Jiló”. Realizou estudos de pós-doutorado (2016) no PPGE/ UnB, sob a supervisão da Profa. Dra. Leila Chalub Martins, com estágio pós-doutoral na Facultad de Educación da Universidad Complutense de Madrid, sob a supervisão da Profa. Dra. Paloma Antón Ares.

Roger Pena de Lima, é mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília (PPGE/UnB). Especialista sobre o tema da Diversidade pela Faculdade de Educação/UnB e graduado em Letras pela Universidade de Brasília (UnB). É professor efetivo da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEE/DF) há 20 anos. Ao longo da carreira profissional foi servidor da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia. Atuou no Ministério da Educação (MEC), exercendo assessoria no Programa Nacional de Formação de Professores em Exercício (PROFORMAÇÃO). Atualmente é servidor do Governo do Distrito Federal, tendo ocupado os cargos de coordenador de Educação Especial, gerente de Educação Básica e gerente de Escolas de Natureza Especial da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF).

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Referências

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______. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 02 de 11 de setembro de 2001. Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília: CNE/CEB, 2001.

______. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na perspectiva inclusiva. Brasília: 2008.

______. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 jun. 2014.

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