Autores: Mônica de Carvalho Magalhães Kassar, Celi Corrêa Neres, Nesdete Mesquita Corrêa, Andressa Santos Rebelo
A década de 1990 apresentou um panorama que vem direcionando os caminhos posteriores da política educacional brasileira, marcado por ações do governo federal para o cumprimento do compromisso de universalização da Educação Básica para as crianças e adolescentes em idade escolar (BRASIL, 1993). O movimento de universalização ocorreu juntamente a um processo de municipalização do atendimento ao Ensino Fundamental, que, por sua vez, foi impulsionado pela aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), em 1997 (FERMINO; ELTERMANN; BOLLMANN, 2010).
Outro marco importante nesse contexto foi o fortalecimento do movimento de inclusão escolar, que incentivou as matrículas de crianças que historicamente foram foco da educação especial em escolas comuns de Educação Básica. Esse movimento tornou-se mais evidente a partir de 2003, com a implantação do programa do governo federal “Educação inclusiva: direito à diversidade”. Esse programa propôs a disseminação da política de educação inclusiva em todo território nacional, com formação por multiplicadores, e fortaleceu-se posteriormente, com o desenvolvimento de várias ações como a abertura do edital do Programa de Salas de Recursos Multifuncionais (BRASIL, 2007).
Com foco no panorama acima descrito, este artigo tem o objetivo de apresentar e analisar alterações do atendimento educacional para alunos da educação especial no Estado de Mato Grosso do Sul (MS), nos últimos 40 anos . Para tanto, tomou-se como referência os documentos oficiais e sinopses estatísticas, além dos estudos desenvolvidos na área.
Política inicial de educação especial em Mato Grosso do Sul
Quando o Estado de Mato Grosso do Sul foi formado alguns de seus municípios já possuíam instituições especializadas filantrópicas, classes especiais e oficinas pedagógicas em escolas estaduais (KASSAR, 2000). No novo Estado, a educação especial passou a fazer parte da estrutura da Secretaria de Estado de Educação, por meio da criação da Diretoria de Educação Especial, em 1981, que orientou as ações de educação especial nas instituições privadas já existentes, ampliou e criou atendimentos especializados na rede pública de ensino, como: o Centro Regional de Assistência Médico-Psicopedagógica e Social (Cramps), para realização de avaliações e acompanhamento psicopedagógico de alunos e o Centro de Atendimento ao Deficiente da Audiocomunicação (Ceada), para atendimento da população com deficiência auditiva e surdez.
A diretoria estabeleceu suas diretrizes de atuação com base nos princípios adotados nacionalmente pelo então Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) e posteriormente pela Secretaria de Educação Especial (SESPE): participação, integração, normalização, interiorização e simplificação (MATO GROSSO DO SUL, 1990), que pretendiam a participação das pessoas com deficiências dentro das instituições sociais regulares/comuns, sempre que possível (PIRES, 1974).
Página 29Indicadores educacionais do início do novo Estado registram a classe especial como forma predominante de atendimento especializado aos alunos da educação especial na rede regular de ensino. Tais salas estavam instaladas em escolas públicas da rede estadual.
Total de estabelecimentos | Classe Especial | Sala de Recursos | Atendimento Itinerante | Oficina Pedagógica | Outros | |
---|---|---|---|---|---|---|
Federal | - | - | - | - | - | - |
Estadual | 19 | 19 | - | - | 2 | - |
Municipal | - | - | - | - | - | - |
Total MS | 19 | 19 | - | - | 2 | - |
Brasil | 2665 | 2475 | 167 | 163 | 21 | 331 |
Mendes (2010, p. 104), ao analisar a organização do atendimento da educação especial nesse período, afirma que “a grande maioria dos estados mantinha as classes especiais ou classes de recursos nas escolas públicas estaduais”, sendo que os municípios pareciam “não ter papel muito definido, podendo ser mero espectador, ator, coadjuvante ou patrocinador-financiador da filantropia” (p. 104).
O primeiro governo eleito no Estado assume o cargo em 1983 . Desse período ao final da década, as matrículas de alunos da educação especial na rede estadual de ensino saltam de 111, em 1984 a 1297, em 1988 (MATO GROSSO DO SUL, 1996), de modo que em 1988 havia mais matrículas sob a administração pública (rede estadual + redes municipais com 1317 matrículas) que em instituições privadas (1284 matrículas) (tabela 2).
Federal | Estadual | Municipal | Privada | Total | |
---|---|---|---|---|---|
E.R. | - | 1160 | 20 | 24 | 1204 |
E.E. | - | 137 | - | 1260 | 1397 |
Total | - | 1297 | 20 | 1284 | 2601 |
Durante toda a década de 1980, houve expansão das matrículas gerais no Estado devido ao aumento populacional, decorrente do processo crescente de urbanização (SENNA, 2000). Ocorreu, também, o aumento do número de classes especiais em escolas públicas (96 em 1988), sendo a modalidade de atendimento especializado numericamente mais expressiva tanto em Mato Grosso do Sul, quanto no País (tabela 3). No final da década, no Brasil já se evidenciava o surgimento de outras formas de apoio especializado, indicando mudanças no perfil de atendimento em face ao crescimento populacional.
Como registrado na tabela 2, o número de matrículas de alunos da educação especial nas redes municipais ainda era bastante tímido no final da década de 1980. No caso de Campo Grande, sua capital, as escolas da rede estadual ofereciam suporte ao atendimento em salas de recursos e em classes especiais aos alunos matriculados na Rede Municipal de Ensino, devido ao fato de aquela instância ainda não ter definida uma política para a oferta de atendimentos a essa população (CORRÊA, 2005).
Classe comum com serviço de apoio especializado | Classe especial | Sala de recursos | Atendimento itinerante | Oficina pedagógica | |
---|---|---|---|---|---|
Mato Grosso do Sul | 9 | 96 | - | - | 1 |
Brasil | 480 | 3864 | 353 | 209 | 83 |
Administrativamente, a Secretaria de Estado de Educação mantinha instâncias representativas distribuídas pelo interior, os Núcleos Educacionais e/ou as Agências Regionais de Educação e muitas delas possuíam um núcleo de educação especial, responsável por acompanhar as atividades das classes especiais e oficinas pedagógicas da rede estadual nos diferentes municípios.
Página 30Educação especial em Mato Grosso do Sul pós 1988
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 houve o reconhecimento da esfera municipal como instância responsável pela execução de políticas sociais (CURY, HORTA; FÁVERO, 1996), como é o caso das políticas educacionais direcionadas à educação especial (CORRÊA, 2005). A Constituição Federal de 1988 elevou os municípios ao status de entes federados, com responsabilidades específicas no campo educacional. A partir de então, com a relativa autonomia dada aos municípios e às escolas para captar recursos, os municípios tornaram-se responsáveis diretos pelo oferecimento do Ensino Fundamental, como explícito nos Referenciais para Construção de Sistemas Educacionais Inclusivos propostos pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação – SEESP/MEC (OLIVEIRA; CORRÊA; KASSAR, 2004). Mendes (2010) ressalta que a Constituição Federal “aparentemente dotaria os municípios de uma maior autonomia para equacionar os problemas locais, e uma nova perspectiva parecia se vislumbrar quanto à política da educação especial” (p. 104).
Em 1989 é promulgada a Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul (MATO GROSSO DO SUL, 1989), durante o mandato do segundo governador eleito . Seguindo recomendações da Constituição Federal de 1988, o documento estadual reservou à pessoa com deficiência o direito à educação, prevenção, integração social e ao trabalho. Apesar desse reconhecimento e do discurso de integração presentes em diferentes documentos da década de 1980, verifica-se, na tabela 2, que a maioria do atendimento era realizada em instituições especiais (1397 matrículas de 2601), sejam públicas ou privadas. Nesse momento, a Secretaria de Estado de Educação promove alterações na organização dos atendimentos da educação especial, com encerramento do Cramps e criação do Centro Sul-mato-grossense de Educação Especial (Cedesp) e de Núcleos de Atendimento às diferentes deficiências e inicia um processo de avaliação psicodiagnóstica para possível identificação de deficiência mental nos alunos matriculados em classes especiais. Esse processo teve como decorrência a diminuição significativa de matrículas de alunos naquelas salas e posterior encerramento das atividades desses espaços em todo território estadual (KASSAR, 2000).
Com mudança no governo do Estado, em 1991 , houve o lançamento do Programa “Nova Proposta de Educação para Mato Grosso do Sul”, tendo como eixo central na área da educação especial a criação das Unidades Interdisciplinares de Apoio Psicopedagógico (Uiap) (MATO GROSSO DO SUL, 1992), unidades vinculadas administrativamente e pedagogicamente aos Núcleos Educacionais e/ou Agências Regionais de Educação, e a extinção da Diretoria de Educação Especial. Como responsável pela coordenação das ações da educação especial, foi criada a Coordenadoria de Apoio ao Ensino do Portador de Necessidades Especiais (CAPNE), cujos objetivos foram a continuidade da promoção, sempre que possível, da integração do aluno no ensino comum e a reestruturação das modalidades de atendimento até então existentes. No final da década de 1990, o Estado contava com 50 unidades distribuídas em 47 municípios (MATO GROSSO DO SUL, 1997).
Em 1995, com nova mudança no governo do Estado , houve outra alteração na coordenação do setor da educação especial. A equipe que assumiu a educação especial instalou novamente a Diretoria de Educação Especial e propôs a criação do Centro Integrado de Educação Especial em Campo Grande (CIEESP) (NERES, 2010). As Uiap passaram a fazer parte da Coordenadoria desse Centro, na capital, com a proposta de se multiplicarem no interior do Estado.
Até esse momento, as matrículas sob a administração pública continuam a superar as que estão sob a administração privada, tanto no Estado (2.763 matrículas públicas e 2.379 privadas) quanto no País (119.642 matrículas públicas e 77.881 privadas). No entanto, elas ainda estão concentradas na rede estadual (tabela 4).
Página 31Total | Federal | Estadual | Municipal | Privada | |
---|---|---|---|---|---|
Mato Grosso do Sul | 5142 | - | 2648 | 115 | 2379 |
Brasil | 197523 | 871 | 89722 | 29049 | 77881 |
Com nova mudança no governo do Estado , em 1999, os serviços de educação especial sofreram novamente alterações: a Diretoria de Educação Especial passou a ser denominada Diretoria de Apoio ao Ensino do Portador de Necessidades Especiais, as Uiap e o Centro Integrado de Educação Especial (CIEESP) foram extintos e no lugar criadas as “Unidades de Apoio à Inclusão do Portador de Necessidades Especiais”, como núcleos descentralizados (NERES, 2010).
Desde 1995, a estrutura do governo federal passa a ser organizada sob a perspectiva de retirada do Estado como provedor de ações diretas em áreas sociais, com a transferência de responsabilidade de alguns setores para a sociedade civil, com colaboração do Terceiro Setor, cabendo ao Estado o papel de promotor e regulador das políticas públicas (CORRÊA, 2005), seguindo o Plano Diretor de Reforma do Estado (BRASIL, 1995). De certa forma, o Estado de Mato Grosso do Sul segue as indicações do governo federal, de modo que as políticas implantadas tiveram os mesmos pressupostos que as ações da esfera central (BRITO, 2007). Senna et al. (2007) afirmam que os governos da década de 1990 no Estado implementaram políticas com ênfase na modernização, combinando ações sociais, sustentadas no apelo à solidariedade, com o envolvimento de parcerias.
Ao observarmos o número de estabelecimentos de educação especial no Estado entre o início da década de 1980 e o início de 2000 (tabela 5), verificamos alterações de predomínio das instâncias administrativas.
Ano | Total Geral | Federal | Estadual | Municipal | Total Pública | Privada/particular |
---|---|---|---|---|---|---|
1981 | 28 | - | 19 | - | 19 | 9 |
1988 | 131 | - | 107 | 1 | 108 | 23 |
1996 | 225 | - | 164 | 12 | 176 | 49 |
2002 | 339 | - | 220 | 52 | 272 | 67 |
Os dados de 1981 registram o número de instituições com educação especial logo após a formação do Estado de Mato Grosso do Sul. Nesse ano, havia 19 estabelecimentos públicos estaduais, onde estavam instaladas 39 classes especiais (BRASIL, 1985). Desse ano até 2002, há um crescimento contínuo de estabelecimentos com Educação Especial em todos os segmentos, inclusive sob a administração privada, mesmo com o número crescente de estabelecimentos públicos. Cabe registrar que em toda sua história, Mato Grosso do Sul registra crescimento contínuo de instituições privadas, que mantêm convênios com os governos do Estado e dos diferentes municípios. Neres (2010), em tese que analisa a situação das escolas especializadas no Estado, discrimina, ano a ano, a data de criação das entidades. Seus dados reafirmam o crescimento desse setor na década de 1990 em contradição com o movimento de inclusão escolar emergente.
Bueno e Kassar (2005), ao estudarem a presença do Terceiro Setor na educação especial de 1996 a 2002 no Estado, verificaram que do total de instituições filantrópicas, 40% tinham como mantenedoras Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae)/Sociedades Pestalozzi, sendo a educação especial a área de maior atuação, dentre as instituições filantrópicas, com quase 84% das matrículas de alunos em atendimento especializado no ano de 2002. A grande presença das instituições privado-filantrópicas coaduna com as propostas da reforma na administração pública, que enfatiza a articulação com o Terceiro Setor para o provimento de determinados atendimentos, como é o caso da educação especial (CORRÊA; ROMERO, 2008).
Página 32Educação especial em MS após os anos 2000
No ano de 2003 os municípios brasileiros, atendendo ao programa “Educação Inclusiva: Direito à Diversidade”, proposto
pelo Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial, iniciaram a implantação de um conjunto de capacitações para gestores e professores do ensino comum. Naquele ano, foram entregues aos municípios os Referenciais para a Construção de Sistemas Educacionais Inclusivos, organizados nos volumes A Fundamentação Filosófica, O Município, A Escola e A Família. A identificação dos municípios como responsáveis por esse processo pode ser sentida na ausência de material direcionado às redes estaduais de ensino. No caderno “O Município”, as responsabilidades são apresentadas e, com base no artigo 3° da Resolução CNE/CEB n° 2/2001, explicita-se a necessidade de que estas instâncias administrativas possuam um dirigente da educação especial e que elaborem um Plano Municipal de Educação, com sua política educacional norteada pelas políticas estaduais e nacionais (BRASIL, 2004). Nesse programa, são responsabilidades das Secretarias de Estado de Educação a coordenação das capacitações de professores de sua própria rede e as ações compartilhadas com outros segmentos (BRASIL, 2006).
Em 2002, situação anterior à implantação das ações de 2003, o Estado de MS possuía 5.468 matrículas em Educação Especial de alunos que recebiam atendimento especializado em escolas especializadas ou em classes especiais de escola regular. Dessas, 4.608 em instituições privadas e apenas 752 em instituições estaduais e 108 em municipais. Sabe-se, também, que nesse ano o Estado possuía estabelecimentos com matrículas desses alunos, com e sem atendimento especializado (Tabela 6), sendo que o número de estabelecimentos com alunos da Educação Especial sem salas de recursos era maior do que o número das instituições escolares que as possuíam.
Na implantação do Programa “Educação Inclusiva: direito à diversidade”, Mato Grosso do Sul ficou com cinco municípios polo (Campo Grande, Corumbá, Coxim, Dourados e Paranaíba) para atender o restante do Estado. Conjuntamente ao programa de capacitação em educação inclusiva, o Programa de Implantação de Sala de Recursos Multifuncionais passou a ser implementado nas redes municipais e estadual, desde 2005 . Nesse período, em final da gestão estadual concluída em 2006, as Unidades de Inclusão sofreram novas alterações, com mudanças na organização do atendimento, na nomenclatura e nas funções. Os novos setores passaram a se denominar Núcleos de Educação Especial (Nuesp) (MATO GROSSO DO SUL, 2006a), que atendiam a capital e os municípios do interior, de forma direta ou indireta (MATO GROSSO DO SUL, 2006b).
Estabelecimentos com sala de recursos | Estabelecimentos sem sala de recursos | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Total | Federal | Estadual | Municipal | Privada | Total | Federal | Estadual | Municipal | Privada |
178 | - | 137 | 38 | 03 | 291 | - | 119 | 142 | 30 |
Na nova gestão foi criado o Centro Estadual de Atendimento à Diversidade (Cead) de modo que os Nuesp passaram a articular-se a esse Centro (MATO GROSSO DO SUL, 2007). As atribuições do Nuesp eram orientadas basicamente para o desenvolvimento do atendimento especializado, de forma suplementar e complementar às ações do ensino comum, compatível com a proposta nacional para a educação especial. Considerando-se o tamanho do território do Estado e de sua rede estadual (315 escolas urbanas e 53 rurais), o trabalho dos técnicos do Nuesp se constituiu constante desafio frente às necessidades impostas pela variedade de serviços e formas de atendimento.
Página 33A divulgação da Política de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) fortaleceu a perspectiva da garantia de matrícula de todos os alunos em salas comuns e o oferecimento de atendimento educacional especializado no contraturno escolar. Em Mato Grosso do Sul, ainda na gestão 2007 – 2014, ocorre mais uma mudança na forma de atendimento à educação especial, mas sem alteração das características das ações: há a criação do Centro Estadual de Educação Especial e Inclusiva (CEESPI) e dos Núcleos de Educação Especial nos Municípios em 2009 (MATO GROSSO DO SUL, 2009). O Nuesp, na capital, passou a se constituir um núcleo incorporado ao CEESPI. Os demais Nuesp, instalados no interior, continuaram ligados à Coordenadoria de Educação Especial da Secretaria de Estado de Educação. Posteriormente, a Secretaria de Estado de Educação publicou duas resoluções, que reestruturaram as atividades do CEESPI e dos Nuesp, prevendo articulações para o desenvolvimento de práticas educacionais inclusivas, junto às unidades escolares da Rede Estadual de Ensino (MATO GROSSO DO SUL, 2011a; 2011b).
Com a mudança de governo em 2015 , a coordenação da educação especial reestruturou-se mais uma vez e passou a ser denominada “Coordenadoria de Políticas para Educação Especial”, ligada à Superintendência de Políticas de Educação (Suped), com o objetivo de “coordenar a política de educação especial na rede pública de ensino, pautando suas ações no fortalecimento do Sistema Educacional Inclusivo” (MATO GROSSO DO SUL, 2017). Segundo dados atuais, dos 79 municípios, 60 contam com o funcionamento do Núcleo de Educação Especial (Nuesp). Nos outros 19 municípios, em que há apenas uma escola da rede estadual de ensino, o acompanhamento aos alunos é realizado pelo professor do atendimento educacional especializado que atua na sala de recursos multifuncionais (MATO GROSSO DO SUL, 2017).
Educação Especial em MS: uma possibilidade de análise
A leitura dos documentos da Secretaria de Estado de Educação sinaliza grande capilaridade do atendimento dirigido por esse setor, tendo em vista a presença de núcleos de atendimento na capital e nos municípios. Essa capilaridade faz-se necessária em um Estado em que há um constante crescimento do número de matrículas da educação especial, em todos os segmentos do setor público. Se em 1996 havia o registro de 115 matrículas de alunos da educação especial em escolas municipais, 11 anos depois, são 1.691 e, em 2012, este passa a ser o segmento que mais concentra matrículas desses alunos em sua rede.
Ano | Total de matrículas | Federal | Estadual | Municipal | Total Pública | Privada |
---|---|---|---|---|---|---|
2007 | 10.404 | - | 3.191 | 1.691 | 4.882 | 5.522 |
2008 | 11.190 | - | 3.452 | 2.513 | 5.965 | 5.225 |
2009 | 11.129 | - | 3.490 | 2.835 | 6.325 | 4.804 |
2010 | 12.883 | - | 4.329 | 3.862 | 8.191 | 4.692 |
2011 | 14.398 | 3 | 4.987 | 4.676 | 9.666 | 4.732 |
2012 | 14.945 | 6 | 5.046 | 5.186 | 10.238 | 4.707 |
2013 | 15.869 | 12 | 5.259 | 5.705 | 10.976 | 4.893 |
2014 | 17.120 | 17 | 5.740 | 6.382 | 12.139 | 4.981 |
2015 | 18.852 | 18 | 5.798 | 6.511 | 13.732 | 5.120 |
2016 | 19.570 | 22 | 6.694 | 7.509 | 14.225 | 5.345 |
A considerar os dados disponíveis a partir de 2007, quando passa a ser disseminada a implantação das salas de recursos multifuncionais, a soma das matrículas da educação especial na esfera pública no Estado (considerando classes comuns, classes e escolas especiais) foi inferior à soma na esfera privada até 2008, quando os valores na esfera pública (5.965 matrículas) superam os da esfera privada (5.225). No entanto, nota-se que em MS, o crescimento do número de matrículas sob a administração pública não tem significado decréscimo das matrículas em instituições privadas, o que indica a manutenção do lugar das instituições privado-filantrópicas na política educacional na região.
Cabe acrescentar que a Secretaria de Estado de Educação também se articulou ao governo federal para a implantação das salas de recursos multifuncionais em suas escolas e esta passou a ser a forma hegemônica de atendimento especializado no Estado. Na tabela 8 é possível verificar o crescimento do Programa Sala de Recursos Multifuncionais e sua presença nas diferentes redes, inclusive com salas implantadas em instituições especializadas da rede privada.
Ano | Total de redes | Rede estadual | Redes municipais | Rede Privada |
---|---|---|---|---|
2009 | 272 | 177 | 75 | 20 |
2010 | 312 | 177 | 111 | 24 |
2011 | 365 | 190 | 152 | 23 |
2012 | 395 | 188 | 181 | 26 |
2013 | 418 | 194 | 199 | 25 |
2014 | 438 | 191 | 236 | 11 |
2015 | 453 | 191 | 253 | 9 |
Pela movimentação de implantação das salas de recursos, é possível verificar o fortalecimento das redes municipais no atendimento educacional especializado para o público-alvo da educação especial, quadro bastante distinto do encontrado na organização inicial da política educacional do Estado de Mato Grosso do Sul, na década de 1980.
Considerações finais
Tomar o Estado de Mato Grosso do Sul como foco para estudar o atendimento educacional dispensado aos alunos com deficiências é uma oportunidade de considerar uma realidade desde sua origem, já que o Estado se constituiu no final da década de 1970. No Estado recém-criado, a Secretaria de Estado de Educação assumiu papel de protagonista na política para atendimento dos alunos da educação especial, implantando núcleos de acompanhamento e diagnóstico das crianças em todo o Estado, de modo que em 1996 o setor público estadual chegou a ser o responsável pela maioria das matrículas de educação especial no Estado e dos estabelecimentos com atendimento especializado. Esse protagonismo vai saindo de cena, após os anos de 2000, com a escolha dos municípios como polos do Programa “Educação Inclusiva: Direito à Diversidade”. Há a aderência da rede estadual à proposição do governo central de política de educação inclusiva, com o recebimento de salas de recursos multifuncionais, colaborando para o atendimento especializado principalmente em municípios onde ainda não há implantação de salas de recursos.
No período analisado, ressaltamos a presença marcante das instituições privado-filantrópicas e levantamos duas hipóteses explicativas para esse fenômeno em Mato Grosso do Sul: uma é a de que as constantes alterações de ações e formas de organização propostas pela Secretaria de Estado de Educação, a cada nova gestão política, causaram descontinuidades no atendimento, fragilizando o acolhimento da população; a outra, baseada em trabalhos do campo da educação especial (SOUZA, 2013; LAPLANE, CAIADO; KASSAR, 2016, entre outros), refere-se a não, necessariamente, uma questão do campo da educação, mas ao campo da saúde. Essas instituições, ao oferecerem atendimentos de habilitação/reabilitação em suas unidades, colaborariam para não pressionar as políticas de saúde nos municípios. Essa hipótese se fortalece quando nos debruçamos sobre a capital do Estado. Nessa localidade, a quase totalidade dos atendimentos complementares no campo da saúde para os alunos da educação especial ocorre por parcerias com o setor privado, especialmente com o Terceiro Setor (CORRÊA, 2005).
Página 35Hoje os municípios são, em grande medida, os executores da política de educação especial, no entanto, dependem dos programas e recursos financeiros do governo federal. Questões e embates nacionais, como o direcionamento dos valores referentes às matrículas de alunos, também afetam as redes de ensino locais e a forma com que a política se concretiza. Cabe ao fim, ressaltar o atual protagonismo do governo federal na proposição das políticas encampadas pelos governos municipais e estaduais na educação especial.
Sobre as autoras
Mônica de Carvalho Magalhães Kassar, possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp/1983), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS/1993) e doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp/1999). Realizou estágios de pós-doutorado na Universidad de Alcalá (2005) e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp/2011). Atualmente, realiza estágio pós-doutoral na Universidade de Lisboa. É professora associada da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e colaboradora do Centro de Estudos em Educação e Sociedade (CEDES). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em educação especial.
Celi Corrêa Neres, possui graduação em Pedagogia e Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB/1988/1993), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1999), doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP/2010) e pós- doutorado na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campus Pantanal (2014). É conselheira do Conselho Estadual de Educação do Mato Grosso do Sul, avaliadora Ad hoc do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, docente do Curso de Pedagogia e do Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Tem experiência na área da educação e psicologia, atuando, principalmente, nos seguintes temas: educação especial, currículo, políticas públicas. É líder do Grupo de Pesquisa “Educação Especial”.
Nesdete Mesquita Corrêa, é mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), e especialista em Educação Especial pela mesma Universidade. Graduada em Pedagogia e em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), com atuação em cursos presenciais e na modalidade educação aberta e a distância (EaD) e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação do Campus do Pantanal (CPAN/UFMS). Desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão com ênfase na educação, principalmente nos seguintes temas: políticas públicas de educação especial e políticas de educação inclusiva. Coordenador de área do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - Pibid/UFMS (2012-2018).
Andressa Santos Rebelo, possui doutorado e mestrado em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), e graduação em Matemática (licenciatura) pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMS-Campus Pantanal na linha políticas, práticas institucionais e exclusão/inclusão social. Integra os grupos de pesquisa Política Públicas de Educação e Educação Especial (interinstitucional) e Educação e Cidadania-CREIA do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Especial, atuando, principalmente, nos seguintes temas: educação especial, política educacional, indicadores sociais/educacionais e tecnologia assistiva em contexto educacional.
Página 36Referências
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