Se Inclui Formação docente para inclusão e acessibilidade

Diversidade motora

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O objetivo desse capítulo é colaborar para a Formação de Professores para Inclusão apresentando diferentes formas de se movimentar e as adaptações arquitetônicas, mobiliárias, pedagógicas, informacionais, comunicacionais e atitudinais coerentes.

Apresentaremos aqui aspectos sobre a inclusão e permanência de alunos com diversidade motora e a opinião desses alunos sobre sua caminhada acadêmica e do que eles acreditam que os professores deveriam saber sobre sua forma de “movimentar-se” no mundo acadêmico. Discutiremos muito brevemente o que é deficiência física e mobilidade reduzida, e discutiremos formas de adaptações arquitetônicas, comunicacionais, pedagógicas, informacionais, e atitudinais coerentes com a diversidade motora.

Iniciamos essa discussão com um texto de uma aluna que no terceiro ano de curso sofreu um acidente de moto dentro da instituição de ensino e ficou com uma tetraplegia. Esse texto traz informações muito ricas dos preconceitos que as pessoas com deficiência física passam na sociedade e no ambiente acadêmico. Já utilizamos esse texto no capítulo que fala sobre deficiência e diversidade, pois ele precisa ser lido por todos os professores em formação nesse material. Fizemos isso porque esse curso permite que você vá direto às características do seu aluno e você pode não ter lido aquela parte. Ela diz o seguinte:

Vivencio cada atitude equivocada que senti necessidade de esclarecer algumas coisas. Acreditem a cadeira de rodas não é a fonte da juventude. Continuo uma mulher de 25 anos e quero ser tratada como tal. Não falem comigo só no diminutivo ou tomem decisões por mim como se eu não pudesse opinar. Não voltei a ser um bebê, então, por favor, não me tratem como um. Tenho pouco mais de um ano de lesão e já evolui bastante. Tenho tido resultados ótimos que são frutos do meu esforço e da atenção dos profissionais competentes que me acompanham. Pode ser que você não tenha muito convívio comigo, assim, quando nos encontramos e por acaso eu fizer algo extraordinário que você não tenha visto antes, como comer sozinha, me coçar ou digitar, por favor, não aplauda ou grite. Sei que você está feliz por mim, mas, sério, isso não é legal. Estou em uma cadeira de rodas agora, mas, isso não mudou o fato de eu ser uma pessoa que tem uma história e ela não se resume ao meu acidente. Se tiver muito tempo que não nos encontramos ou se não nos conhecemos, por favor, não comece uma conversa com uma cara de dó perguntando “o que aconteceu com você?” “Você não vai andar mais?”. Além de essas perguntas serem desagradáveis, não custa nada me dar um bom dia antes, perguntar meu nome, manter uma conversa saudável e mais interessante que essa. Sei que algumas pessoas irão se surpreender com isso, mas, acreditem a cadeira de rodas só serve pra eu me locomover. Ela não me deixa surda, cega, muda ou afeta meu cognitivo. Então se quiser perguntar ou falar algo de meu interesse, pode dirigir a palavra a mim e não ao meu acompanhante. Vou te entender e te responder tranquilamente. Só para reforçar, minhas limitações são físicas não intelectuais. Então não precisa facilitar minhas atividades tentando me “ajudar”. Sei das minhas habilidades e dificuldades e continuo capaz de fazer muitas coisas. Não preciso de um tratamento especial facilitado. Estou deficiente, mas isso não impede que eu continue tocando minha vida, namorando, estudando, trabalhando, me divertindo... Vida que segue.

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Esse relato diz muito do que as pessoas com deficiência passam e vivenciam em uma sociedade repleta de preconceitos e estigmas. A aluna relata fatos que indicam preconceitos como o capacitismo (onde as pessoas não acreditam na capacidade do indivíduo, achando que porque está em uma cadeira de rodas não conseguirá fazer mais nada com eficiência), a infantilização (acreditar que porque a pessoa tem uma deficiência ela será sempre criança, não amadurecerá), minimização da pessoa (o fato de falar no diminutivo quer dizer que a pessoa acredita que a pessoa com deficiência é menor em capacidades que os demais), supervalorização (como se as coisas que a pessoa faz fosse sempre uma conquista fora do comum, que é estranho, pois acredita-se que ela não tem capacidades), piedade (utilizar as palavras coitadinha, ou olhar com pena, indica que pensamos que essa pessoa por ter a deficiência será sempre sofredora, triste e está pagando por algum pecado), generalização da deficiência (falar alto, gesticular demais, utilizar vocabulários simplistas, indicam que porque a pessoa está em uma cadeira de rodas as pessoas a consideram surdas, com deficiência intelectual e cegas também, é como se ela perdesse todas suas capacidades junto com a perda da capacidade de andar.

A aluna foi a primeira com deficiência física na unidade, com isso pudemos verificar diversos problemas arquitetônicos que dificultavam sua locomoção na universidade. Ao relatar suas dificuldades diversos alunos apontam aspectos arquitetônicos. Por exemplo, o aluno DF/A relata que “estacionamento, acesso até o prédio com passarelas, corrimões do lado externo seriam de grande importância”.

A aluna DF/B utiliza muletas canadenses e apresenta desequilíbrios ao caminhar. Ela relata a necessidade de “rampa de acesso, que não sejam íngremes demais”. Para algumas pessoas com deficiência com desequilíbrios e instabilidade na marcha, rampas muito íngremes são mais prejudiciais do que escadas, pois ajudam a desequilibrar ainda mais o corpo.

Muitas vezes nossas universidades e institutos possuem prédios antigos que não têm acessibilidade arquitetônica. As modificações acabam sendo feitas aos poucos e temos priorizado as modificações onde existe a presença dos alunos com deficiência física, pois os recursos financeiros na universidade não permitem todas as modificações. Muitas vezes precisamos de ações que minimizem as barreiras como mudança de salas de turmas que possuem alunos com deficiência física e mobilidade reduzida. A aluna DF/B diz que “o núcleo de acessibilidade permite que eu tenha aulas nas mesmas salas, pois a locomoção entre as salas pode ser difícil ou complicada”. No entanto, já tivemos relatos de alunos que apesar de passarem por dificuldades no deslocamento de uma aula para outras não solicitam as trocas por medo de não serem bem vistos pela turma e pelo professor. A aluna DF/B relata ainda que “já houve professores que ficaram reclamando da escolha da sala no decorrer da aula, sendo que todos meus colegas sabem que temos aula na mesma sala por minha causa, isso me gerou constrangimento”. Comportamento bastante inconveniente do professor.

As especificidades da deficiência física impõem condições e dificuldade de movimentos diferentes, que devem ser avaliadas caso a caso junto com a análise da especificidade do curso que a pessoa faz e das disciplinas que o compõem. A aluna DF/C diz que tem “dificuldade de ficar muito tempo em pé ou ficar caminhando (algumas aulas são extremamente cansativas e requerem caminhadas longas)”.

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A aluna DF/B diz que por causa da sua dificuldade motora tem sido excluída de uma parte importante do seu curso, que é a trabalho de campo: “gostaria de poder ser incluída em atividades de campo de acordo com a possibilidade ou acessibilidade, sem me sentir isolada ou excluída”.

Acompanhando a inclusão de alunos com deficiência física em universidades e institutos, temos verificado que muitas vezes as dificuldades arquitetônicas, difíceis de resolver sem recurso financeiro suficiente, podem ser minimizadas com ações e disposição de professores sensíveis e que conhecem o papel social da universidade. A aluna DF/C relata que “ter sensibilidade e saber se colocar no lugar do outro são condições fundamentais para ser membro de uma Universidade que se preze pela diversidade”.

Para que você conheça um pouco mais da realidade das pessoas com diversidade motora te convidamos a assistir três filmes. O primeiro é bastante conhecido, quem ainda não viu deve assistir ao filme francês “Intocáveis”, que traz uma linda e verdadeira amizade de um milionário tetraplégico com seu acompanhante – um homem negro da periferia. E o segundo filme chamado “A Teoria de Tudo”, do Reino Unido, apresenta a história do fantástico astrofísico Stephen Hawking, que tem Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) – doença degenerativa que o levou a uma deficiência física. No filme podemos acompanhar suas relevantes descobertas científicas, mostrando que a pessoa com deficiência pode ser um dos maiores cientistas de todo o tempo. O terceiro filme chama “Meu pé esquerdo” e relata o cotidiano de uma criança com deficiência física. O menino chamado Christy nasceu com paralisia cerebral que, no caso dele, resultou em dificuldade de movimentar praticamente todo o seu corpo, exceto seu pé esquerdo. Ele conseguiu superar diversos obstáculos como o preconceito, o desrespeito, o descrédito social, além dos problemas familiares. O outro filme que indicamos é “De porta em porta” que é um filme verídico que fala sobre um rapaz que tem paralisia cerebral que busca uma colocação no mercado de trabalho como vendedor. Como todos o rejeitam, por sua deficiência, se pdispõem a aceitar uma área na qual vendedor algum teve resultado. Além do êxito, conquista destaque entre os vendedores. Os links desses filmes estão no “SAIBA MAIS”.

Conceituações e considerações

Como já dissemos nesse capítulo sobre diversidade motora abordaremos a deficiência física e a mobilidade reduzida.

A deficiência física é conceituada como alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções (BRASIL, 2004, Artigo 5º, Parágrafo 1º, Inciso I, Alínea a).

Já a pessoa com mobilidade reduzida é aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade de movimentação, permanente ou temporária, gerando redução efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da coordenação motora ou da percepção, incluindo idoso, gestante, lactante, pessoa com criança de colo e obeso (BRASIL, 2015, Artigo 3º, Inciso IX).

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Relação professor aluno

Em pesquisa com os alunos podemos verificar várias percepções que estes possuem sobre como o professor poderia auxiliá-lo no processo ensino-aprendizagem. A aluna DF/A deixa uma mensagem para os professores que querem ser mais inclusivos

Os portadores de necessidades especiais não esperam que tenham dó deles, e sim respeito e compreensão, pois estes são iguais a todos, somente limitações, que poderão ser superadas através de diálogo. Saber mais de seu aluno, conhecendo suas capacidades para evitar qualquer tipo de constrangimento que possa ocorrer, seja ele físico ou social, é o fator mais importante para promover uma igualdade sem qualquer preconceito. (Aluna DF/A).

Muitas vezes temos encontrado junto aos alunos com deficiência professores interessados e dispostos a auxiliar, mas, muitas vezes, não sabem como fazer isso.

Considerando os relatos dos alunos pesquisados, a experiência dos núcleos de acessibilidade da UFG, UEG, IFG e IFGoiano e pesquisas em materiais de formação docente para inclusão de outras instituições apresentamos a seguir o que chamamos de “Boas práticas”. São ações e adaptações que podem ser feitas por professores de alunos com diversidade motora que vão proporcionar uma relação mais harmoniosa e favorecer a aprendizagem desses alunos no meio acadêmico.

Dividiremos essas práticas em “Boas práticas sociais” e “Boas práticas acadêmicas”. Consideramos as práticas sociais ações que dizem respeito a como se comportar na presença de uma pessoa com deficiência física, minimizando os preconceitos e favorecendo a comunicação e a locomoção. Consideramos práticas acadêmicas aquelas ações do professor que podem favorecer o rendimento acadêmico e proporcionar ao aluno com deficiência motora as mesmas oportunidades de conhecimento que os demais alunos já têm favorecido pela audição.

Boas práticas sociais

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Boas práticas acadêmicas

Depoimentos

Finalizaremos com o relato de duas alunas com deficiência física do que gostariam de dizer para seus professores.

Investimento e acreditar são palavras fundamentais, que melhorariam e muito nossa participação acadêmica e aprendizagem. Eu acredito no meu potencial e dos meus colegas com deficiência. Desejo que os professores da UFG invistam e acreditem em nosso potencial enquanto ser humanos pensantes, mesmo portadores de necessidades especiais, superamos desafios todos os dias e na universidade não seria diferente. (Aluna DF/D)

Talvez um pouco. Acho que uma orientação poderia ser realizada com todos os professores, a fim de lhes mostrar que realmente existem pessoas com limitações que não poderão ser eficazes em todo o curso, mas devem ser incentivadas a conseguir aquilo que podem fazer, mesmo que com dificuldade, ou limitações. E o professor não deve estar disposto ou apto a orientar somente alunos que possam se desenvolver amplamente, mas, também, àqueles com limitações, sendo que existem das mais diversas. Basicamente o que falei na questão 6. Acho que deve haver uma sensibilidade maior, e interesse. Em uma sala de 50 alunos, pode ser que apenas um tenha sérias ou médias limitações, ou seja, é de fato uma exceção, mas que precisa ter voz, pois a luta é muito grande, contra toda a dificuldade e todas as limitações. Algumas coisa são mais difíceis e têm que ser feitas de modo diferente ou adaptado. Acredito que professores bem orientados são capazes de serem grandes agentes transformadores em nossas vidas. Inclusive já tive uma experiência boa com um professor. Bom seria com cada vez mais professores, que deixassem de ter um olhar focado em nossa limitações, e focassem no que somos capazes. (Aluna DF/B)

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Indicação de filmes

Intocáveis. França. Direção: Olivier Nakache, Eric Toledano, 2011.

A Teoria de Tudo. Direção: James Marsh. Reino Unido, 2014.

Meu Pé Esquerdo. Direção: Jim Sheridam, 1990.

De porta em porta. Direção: Steven Schachter, 2002.

Indicação de livros

BRASIL. Formação continuada a distância de professores para o atendimento educacional especializado: deficiência física. SEESP / SEED / MEC. Brasília/DF, 2007.

BRASIL. Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais de alunos com deficiência física/neuro-motora. 2. ed./ coordenação geral SEESP/MEC. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006.

FIGUEIREDO, Arlete Carvalho de. et al. Acessibilidade e vida universitária pontuações sobre a educação inclusiva. In: SAMPAIO, SMR. (Org.). Observatório da vida estudantil: primeiros estudos [online]. Salvador: EDUFBA, 2011.