Se Inclui Formação docente para inclusão e acessibilidade

Diversidade auditiva

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O objetivo desse capítulo é colaborar com a Formação de Professores para Inclusão apresentando diferentes formas de ouvir ou de não ouvir, e as adaptações pedagógicas, informacionais, comunicacionais e atitudinais coerentes.

Apresentaremos aqui aspectos sobre a inclusão e permanência de alunos com diversidade auditiva e a opinião desses alunos sobre sua caminhada acadêmica e do que eles acreditam que os professores deveriam saber sobre sua forma de “ouvir” o mundo acadêmico e sua forma de aprender. Discutiremos muito brevemente o que é deficiência auditiva e surdez, e discutiremos formas de adaptações comunicacionais, pedagógicas, informacionais, e atitudinais coerentes com a diversidade auditiva.

Vamos considerar pessoas com deficiência auditiva os alunos que realizam leitura labial, que utilizam ou não aparelho auditivo e que tem perda bilateral. Quando dissermos aluno surdo estamos considerando o aluno que utiliza a Língua Brasileira de Sinais como meio de comunicação. Abordaremos ainda a perda unilateral que não é considerada deficiência, mas que traz prejuízos significativos para quem a possui. No entanto, uma conceituação mais detalhada será dada ainda nesse texto.

A deficiência auditiva nem sempre é muito perceptível. Alguns alunos fazem leitura labial com muita perfeição e quando dizem da sua deficiência são questionados e duvidados. Uma aluna com deficiência auditiva do curso mais disputado da UFG relata sua indignação:

Todos os professores que me deram aula sabem, porém, a maioria faz “pouco caso” ou duvida que eu seja deficiente auditivo. Não é raro também fazerem alguma piada, dizendo ser brincadeira, ou me expor aos colegas de sala (Aluna DA/A).

Em nossa pesquisa com os alunos com deficiência auditiva e surdez pudemos verificar que existem alunos que têm contato com professores mais acessíveis e outros encontram mais dificuldade. A aluna com deficiência auditiva DA/B relata que teve boa receptividade por parte dos professores, e que não sofreu nenhuma espécie de preconceito, e diz “pelo contrário alguns professores me perguntam se estou ouvindo bem, se tive alguma dúvida ou dificuldade durante a aula”.

Já a aluna DA/A que também tem deficiência auditiva relata que já sofreu várias situações em que se sentiu vítima de preconceito e do despreparo dos professores, ela descreve duas que diz que quase a fizeram desistir do curso superior:

Na primeira, fui apresentar um seminário e a professora me fez uma pergunta ao final. Ela estava no final da sala e eu não entendi o que foi perguntado. Pedi para que ela repetisse e mais uma vez não entendi. Ao pedir novamente para que repetisse, ela não repetiu e já foi dizendo que eu achava que ela tinha “cara de besta” (algo assim), falou que eu estava achando que ela era burra e me perguntou se eu era surda. Respondi que sim. Ela não acreditou e me mandou sentar. Depois, deu um sermão de uns 5 minutos, mas não consegui entender muita coisa do que ela disse. Pela expressão dos colegas, acredito que o sermão foi bem pesado. Mas não sei dizer ao certo justamente porque não entendi o que ela falava. Ela poderia ter minimizado se tivesse tido a paciência de repetir ou se tivesse deixado eu me aproximar (inclusive pedi isso e ela se negou). Além disso, não deveria ter tomado como afronta quando eu disse que era mesmo surda, afinal eu sou. Numa outra situação, estava atendendo um paciente com os colegas observando e o professor foi passar o feedback da consulta (com o paciente e os alunos presentes). Ele tirou foto e achou ruim o fato de que eu escute a história do paciente para depois escrever no prontuário. Faço assim porque preciso da leitura labial, então eu converso com o paciente, faço as perguntas que achar pertinentes e depois escrevo no prontuário. O professor tirou uma foto minha e depois disse que eu estava errada, que o correto seria conversar com o paciente e ir anotando e jamais abaixar a cabeça para escrever. Expliquei a ele meu problema e ele só me respondeu que era problema meu e que eu deveria me adaptar. Com todas essas letras, eu entendi bem. Ora, a forma como eu fazia já era uma adaptação. Impossível eu fazer como ele queria. Nesse caso, faltou empatia da parte dele. (Aluna DA/A).

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A aluna relata que a coordenação pedagógica do curso dela está sempre disposta a auxiliá-la, mas como pudemos ver ainda assim a aluna passa por situações inadequadas. Apesar de bastante extenso, apresentamos na íntegra o relato da aluna, pois mostra a falta de conhecimento, preparo e sensibilidade de alguns professores e o prejuízo que essas situações podem proporcionar para o aluno. Falando de longe com o aluno com deficiência auditiva o professor terá grandes chances de não ser entendido, pois a leitura labial ficará muito difícil. O professor falar mais perto do aluno com deficiência auditiva irá auxiliar inclusive o aluno que tem uma deficiência parcial, facilitando a utilização do que ele tem de audição. Na outra situação relatada, o fato do professor dificultar que a aluna utilize a leitura labial para entender a pessoa que estava sendo atendida é inaceitável, pois se ela não olhar os lábios da pessoa não a entenderá e aí que não será capaz de atendê-la adequadamente.

A necessidade de formação e de políticas de inclusão na educação básica, fundamental e superior é destacada pela aluna DA/B. Ela relata:

Que a diversidade física e cognitiva existe e deve ser respeitada e que também cabe ao corpo docente da instituição a criação, implantação e manutenção de uma cultura inclusiva dos nossos grupos, pois a maioria não consegue superar suas barreiras e batalhas sozinhas. É tão bom contar com ajuda de alguém, e se esse alguém for um braço forte como a educação, melhor ainda. (Aluna DA/B).

A aluna DA/C relata não ter passado por situações de preconceito, mas que alguns professores não têm muita paciência em se comunicar com os alunos com deficiência auditiva. Diz que somente um professor não teve disponibilidade, paciência e carinho para conversar com ela.

Como pudemos verificar nas falas das alunas a leitura labial é o recurso que o aluno com deficiência auditiva tem para adquirir o conhecimento oralizado. Dessa forma, é importante que o professor se preocupe com a maneira que se posiciona em sala e que posiciona seu corpo para falar. Falar enquanto escreve no quadro de costas para o aluno faz com que ele não tenha tido contato com nenhuma palavra dita.

Já para o aluno surdo, que faz uso da Língua de Sinais para se comunicar, a principal adaptação é a presença do intérprete de Língua Brasileira de Sinais, que está prevista em diversas leis e diretrizes e reforçada na Lei 13146/15. É fundamental dizermos que o papel do intérprete de Libras é traduzir a informação transmitida pelo professor. A responsabilidade do processo ensino-aprendizagem continua sendo do professor regente. Assim, o aluno não é do intérprete de Libras e sim do professor, como todos os demais. Algumas vezes vivenciamos professores que dizem para o intérprete: “Explique isso para seu aluno”. É importante refletirmos que o intérprete não é especialista no conteúdo ministrado na disciplina e sim o professor. Essa reflexão é importante, pois o intérprete precisará do professor para conseguir fazer a interpretação de termos ou conteúdos muito técnicos e específicos de uma determinada área.

Em todos os relatos da pesquisa que realizamos com alunos surdos verificamos que a presença do intérprete é fundamental para que esse aluno dê continuidade no curso. Um dos alunos surdos entrevistados, que nos primeiros anos do curso não teve intérprete, relata algumas dificuldades como:

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Em uma determinada matéria tive complicação, pois eu perdia a chamada e mesmo comprovando que estava em sala, a professora disse que eu deveria responder a chamada na hora, e que, por isso, não podia fazer nada, informei que o problema é que eu não escutava e a mesma disse que não era problema dela. (Aluno S/A).

A literatura apresenta diversas pesquisas que mostram a dificuldade do professor em atender adequadamente o aluno surdo. O aluno S/B relata o quanto o bom relacionamento, a empatia e a disposição de interagir pode auxiliar para o sucesso na aprendizagem, ele diz: “É importante ter interação. Ouvinte interagir com surdos e vice-versa. O conhecimento sobre a necessidade e a interação é importante sempre”. (Aluno S/B).

Muitos conceitos, termos e palavras presentes no meio acadêmico e nos livros que utilizamos não são comuns ou são desconhecidos pelos alunos surdos. Os surdos possuem um vocabulário menos extenso que os ouvintes. Muitas vezes precisam de um período de adaptação a esses novos conteúdos. Segundo o aluno surdo S/B, “a dificuldade em sala de aula se dá devido aos novos conceitos usados, pois, às vezes, alguns professores não conseguem transmitir os conteúdos de forma clara, objetiva, fazendo as adequações necessárias”. Diz ainda: “O importante é haver uma cooperação no ambiente acadêmico”.

Tanto na deficiência auditiva quanto na surdez os alunos relatam dificuldade em realizar provas orais. O aluno com deficiência auditiva, apesar de fazer leitura labial, na maioria das vezes, tem dificuldade na fala, com troca de alguns sons. Eles têm consciência de que não falam como os ouvintes, mas não conseguem corrigir essa fala. Por isso, quando são colocados para falar em público sentem-se envergonhados e com maior dificuldade de articular as palavras.

Outro fato que temos verificado em nossas instituições e que é relatado na literatura como uma característica comum no surdo é a dificuldade de entender regras sociais que são subjetivas e que estão subentendidas na sociedade. Conceitos abstratos e subjetivos não são facilmente entendidos pelas pessoas surdas, devido puramente ao fator cultural e a estruturação linguística ser de outra modalidade, não existe limitação intelectual, a restrição é por impedimento perceptual sonoro. Assim é importante que a universidade e institutos apresentem suas normas e regras de forma mais concreta e objetiva. Algumas vezes a subjetividade das relações não é bem interpretada e o surdo acaba passando por situações constrangedoras.

O aluno surdo S/B relata:

Precisamos nos unir! Os professores devem observar o que um aluno tem de melhor e tentar ajudar o outro que está pior, para que ele fique num nível parecido com os demais, ou até mesmo um aluno ajudar o outro, isso fará com que o preconceito diminua e as relações aconteçam da melhor maneira possível. Precisamos abrir o coração, ter mais amor para que haja mudanças, por favor, vamos nos unir, se nós não mudarmos nossa postura, os problemas continuarão.

Para que você conheça um pouco da realidade das pessoas surdas indicamos dois filmes. O filme “Música e o Silêncio” conta a história de uma família que tem pessoas surdas e ouvintes em seu cotidiano. O segundo filme que indicamos é sobre surdo-cegueira, que é uma deficiência pouco presente nas instituições de ensino, mas que esperamos que com a melhor preparação dessas instituições logo tenhamos alunos com essas características, o filme se chama “Helen Keller e o Milagre de Anne Sullivan”. O terceiro filme é “Amy: uma vida pelas crianças” sobre uma mulher infeliz após a morte de seu filho, deixa seu marido para se tornar professora em uma escola para crianças surdas, onde descobre uma nova razão para viver. Outro lindo filme que mostra a realidade das pessoas surdas é “Filhos do Silêncio” que conta a estória de um idealista professor de surdos e uma decidida moça surda, trata de comportamentos, interações e possibilidades de adultos surdos. Deixamos os links dos filmes para você no SAIBA MAIS.

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Conceituações e considerações

Como já dissemos nesse capítulo sobre diversidade auditiva abordaremos a deficiência auditiva e a surdez.

Considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais (BRASIL, 2005, Artigo 20).

Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz (BRASIL, 2005, Artigo 20, Parágrafo Único).

O decreto 5.296/04 restringe a deficiência auditiva à perda bilateral, no entanto, muitos têm sido os debates e lutas para que a pessoa com perda unilateral tenha os mesmos direitos. A perda unilateral traz dificuldades significativas no ambiente acadêmico. O aluno com essas características tem mais dificuldades de entender a informação e o conhecimento que os alunos com audição convencional. Assim é fundamental que consideremos esses alunos em nossas aulas.

Relação professor aluno

Em pesquisa com os alunos podemos verificar várias percepções que estes possuem sobre como o professor poderia auxiliá-lo no processo ensino-aprendizagem. A aluna DA/A deixa uma mensagem para os professores que querem ser mais inclusivos:

Entendam que não vivemos em um mundo onde somos todos iguais e temos as mesmas oportunidades e condições que os outros alunos. Estamos em uma universidade com bastante diversidade e vocês têm que se preparar para isso. Não queira que todos pensem como os senhores, aqui já cabem comportamentos diferentes, querendo ou não. Tenham mais empatia. Sejam mais tolerantes e solidários. Seja um professor que está preocupado com o aprendizado do aluno (olha que nem estou me referindo somente aos deficientes). Nota alta vários tiram. Mas será que aprendeu mesmo? Preocupem-se com provas que valorizaram o aluno que estudou e não o que decorou tudo. Também não adianta fazer uma prova em nível doutorado se somos graduandos. Mas, enfim, mais amor, com vocês, pela profissão e com os alunos. Mais empatia. (Aluna DA/A).

Considerando os relatos dos alunos pesquisados, a experiência dos núcleos de acessibilidade da UFG, UEG, IFG e IFGoiano e pesquisas em materiais de formação docente para inclusão de outras instituições apresentamos a seguir o que chamamos de “BOAS PRÁTICAS”. São ações e adaptações que podem ser feitas por professores de alunos com diversidade auditiva que vão proporcionar uma relação mais harmoniosa e favorecer a aprendizagem desses alunos no meio acadêmico.

Dividiremos essas práticas em “Boas práticas sociais” e “Boas práticas acadêmicas”. Consideramos as práticas sociais ações que dizem respeito a como se comportar na presença de uma pessoa com diversidade auditiva, minimizando os preconceitos e favorecendo a comunicação. Consideramos práticas acadêmicas aquelas ações do professor que podem favorecer o rendimento acadêmico e proporcionar ao aluno com deficiência auditiva as mesmas oportunidades de conhecimento que os demais alunos têm.

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Boas práticas sociais

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Boas práticas acadêmicas

Depoimentos

Para finalizar deixamos uma mensagem de uma aluna com deficiência auditiva para os professores:

Para entenderem que não estamos pedindo facilidades, mas sim uma forma de estudar sem que sejamos tão prejudicados. Por mais que me esforce, eu não consigo ter o mesmo rendimento de um aluno “normal”, porque as condições são diferentes. Não queremos igualdade, porque isso nós já temos dentro de sala de aula, queremos justiça, queremos um meio de estudar sem prejudicar ninguém e nem sermos prejudicados. Empatia é a palavra mágica para amenizar a deficiência. (Aluna DA/A)

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Indicação de link

Dicionário da Língua Brasileira de Sinais.

Indicação de filmes

Música e o Silêncio. Direção: Caroline Link, 1996.

Helen Keller e o Milagre de Anne Sullivan. Estados Unidos. Direção: Arthur Penn. Roteiro: Willian Gibson (1962).

Amy: uma vida pelas crianças. Direção: Vicent Mc Eveety, 1982.

Filhos do Silêncio. Direção: Randa Haines, 1986.

Indicação de livros

MEC. Formação Continuada a Distância de Professores para o Atendimento Educacional Especializado: Pessoa com Surdez. SEESP / SEED / MEC. Brasília/DF, 2007.

MEC. Educação infantil: saberes e práticas da inclusão: dificuldades de comunicação e sinalização: surdez. 4. ed. / elaboração profª Daisy Maria Collet de Araújo Lima – Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal. et. al. – Brasília: MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006.

PEREIRA, Maria Cristina da Cunha (Org.). Leitura, escrita e surdez. Secretaria da Educação, CENP/CAPE. 2. ed. São Paulo: FDE, 2009.

GIROTO, Claudia Regina Mosca; MARTINS, Sandra Eli Sartoreto de Oliveira; BERBERIAN, Ana Paula (Org.). Surdez e educação inclusiva. São Paulo: Cultura Acadêmica; Marília: Oficina Universitária, 2012.

BRASIL. Guia orientador para acessibilidade de produções audiovisuais. 2015.

BRASIL. Guia para produções audiovisuais acessíveis. 2016.

Acesso de Pessoas com Deficiência às Classes e Escolas Comuns da Rede Regular de Ensino.