Se Inclui Formação docente para inclusão e acessibilidade

Diversidade visual

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O objetivo desse capítulo é colaborar para Formação de Professores para Inclusão apresentando algumas diferentes formas de “ver” o mundo que fogem do convencional.. Apresentaremos aqui aspectos sobre inclusão e permanência de alunos com diversidade visual e sua opinião sobre sua caminhada acadêmica e do que eles acreditam que os professores deveriam saber sobre sua forma de “enxergar” o mundo acadêmico e sua forma de aprender. Discutiremos muito brevemente o que é cegueira, baixa visão, visão monocular e daltonismo, e discutiremos formas de adaptações pedagógicas, informacionais, comunicacionais e atitudinais coerentes com a diversidade visual.

Uma aluna com baixa visão e visão monocular de um dos cursos superiores mais disputados de uma das instituições parceiras desse projeto fala sobre o receio de não ser bem interpretada ao procurar o professor para dizer das suas necessidades, segundo ela:

Sinto medo de represálias em coisas como a avaliação dos docentes. Se eu citar coisas relacionadas às minhas deficiências, serei facilmente identificada. E, por fim, sinto medo de ser mais menosprezada, visto que já tentei conversar com docentes sobre o que dá certo e errado (ALUNA A/DV).

Geralmente, o aluno com deficiência prefere o anonimato a falar sobre suas dificuldades. Vive no sofrimento silencioso e não exerce seu direito de ter aulas e materiais didáticos adaptados para sua deficiência para não correr o risco de ser mal-entendido pelo professor. Diante disso, não basta perguntar se está tudo bem, para a maioria nada está bem, porém, devido à timidez, muitos respondem que sim. Neste o caso, cabe o bom senso do professor para reconhecer suas limitações e, frente ao conflito, agir com transparência, perguntando como pode fazer para melhorar a dinâmica, didática e metodologia.

No relato acima, apesar de ser uma aluna muito empoderada que no começo do semestre fala com os professores sobre suas dificuldades e como aprende, a aluna diz do medo de suas reinvindicações não serem bem interpretadas.

Importante lembrar que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13146/15) diz que “é dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação”. Educação de qualidade para a pessoa com deficiência visual só acontece quando essa recebe material para acompanhar as aulas e para estudos que seja acessível à sua forma de aprender e estudar.

Os professores muitas vezes têm medo e dificuldades de lidar com os alunos com deficiência visual, como toda a sociedade muitas vezes carregam preconceitos e dificuldades de reconhecer o aluno com deficiência como um aluno que pode ser eficiente no ambiente acadêmico. Segundo aluna cega que entrevistamos:

A grande porcentagem dos professores, logo de início, não soube como lidar comigo, creio que por falta de informação. Houve aqueles que ignoravam a situação, e alguns que acreditavam que eu precisasse de alguém da família em sala de aula. A maioria temia que eu não absorveria o mesmo conhecimento e aprendizagem que os demais colegas, julgando que eu não teria um bom desempenho, pois eles associavam a ausência da minha visão com uma possível dificuldade de acompanhamento das aulas. Entretanto, na maioria dos casos, as questões foram resolvidas a partir de diálogos entre a coordenação, os professores e eu. Cabe à coordenação pedagógica informar aos professores que o primeiro passo a ser dado é que os mesmos conversem com o próprio aluno, para que juntos cheguem a uma conclusão de como deverão trabalhar ao longo do semestre. Todavia, caso seja mais viável, que ele procure informações com aqueles que já ministraram aulas para mim.

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Outra aluna relata que é importante que os professores entendam que o aluno com deficiência visual possui “capacidade de interpretar o mundo a partir da audição” (ALUNA B/DV). Toda informação que não for possível de se passar visualmente para esses alunos deve ser traduzida de forma auditiva por descrição criteriosa.

A importância do dado visual é destacada também por uma aluna cega de um curso de licenciatura que diz:

Temos as mesmas competências que qualquer outro aluno. Teremos um bom desempenho desde que os conteúdos e materiais sejam acessíveis, que temos dificuldades com linguagens não verbais, que tudo pode ser entendido desde que seja oralizado e que não é necessário alterar a voz e os áudios para melhorar nossa compreensão (ALUNA C/DV).

A aluna A/DV relata ainda que nas “exatas se utiliza muitos conceitos puramente visuais que são MUITO difíceis de transmitir para PcDs visuais”. Ela diz da necessidade de se “fazer gráficos em materiais ADAPTADOS”. Infelizmente não é apenas nas exatas que a adaptação de materiais ocorre com pouca frequência, nas áreas de biológicas e humanas também é assim.

Além dos estímulos auditivos, os táteis também são importantes aliados na aprendizagem da pessoa com deficiência visual. Gráficos ou desenhos feitos com cola 3D, com o uso do barbante para delimitar os contornos/limites/formas, desenhados sobre tela quadriculada (como a que retém insetos em janelas) ou feita em material maleável como sobre uma folha EVA, ficam com relevo e facilitam a interpretação e entendimento de pessoas com deficiência visual.

Em algumas universidades e institutos é possível encontrar impressora 3D ou máquina difusora que produzem materiais adaptados que favorecem a informação tátil.

Outro aluno com baixa visão (Aluno D/DV) relata que é muito importante que o professor antecipe para o aluno com deficiência visual “tudo que for possível me antecipar”. A aluna A/DV reforça essa solicitação dizendo que a pessoa com deficiência visual demora muito mais tempo para estudar que os demais alunos, por isso ela precisa de mais tempo para fazê-lo com qualidade e para que tenha o mesmo rendimento que os outros. Portando, cópias de textos que serão utilizados nas aulas e nas provas devem ser disponibilizadas no início do semestre para que os alunos ou o laboratório da instituição possam adequar esse material para ser estudado.

Uma forma de sensibilização e de conhecer um pouco mais da realidade das pessoas com deficiência visual é por meio de filmes. Convidamos você para assistir ao filme iraniano “A Cor do Paraíso” para conhecer algumas peculiaridades do cotidiano de uma criança cega. Indicamos também o filme é “Hoje eu quero voltar sozinho” Sobre um garoto cego que chega em colégio do Rio de Janeiro e insere a comunidade escolar na pauta da inclusão. Ele tem que lidar com algumas dificuldades de aceitação pela turma, até que encontra apoio em um estudante recém-chegado, Gabriel, com quem acaba se envolvendo amorosamente. O filme “Castelos de Gelo” que conta a história de uma patinadora adolescente que é campeã mundial e que, no auge da fama, sofre acidente que a deixa cega. Outro filme que indicamos é “Dançando no escuro” que conta a história de uma imigrante tcheca que trabalha em uma usina nos EUA e descobre que está perdendo a visão dia após dia.

Conceituações e considerações

Como já dissemos iremos abordar nesse item algumas das muitas diversidades visuais, sendo elas a cegueira, baixa visão, visão monocular e daltonismo.

A deficiência visual se refere a uma limitação sensorial que, mesmo com a utilização de correções (óculos, cirurgias, etc.), anula ou reduz a capacidade de ver, abrangendo vários graus de campo e acuidade visual, permitindo várias classificações da redução da visão:

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A visão monocular caracteriza-se pela perda total de visão de um dos olhos. Apesar de muitas vezes as pessoas acreditarem que pessoa com visão monocular não tem grandes dificuldade, isso é totalmente incorreto. A visão monocular diminui significativamente o campo visual e dificulta a visão tridimensional diminuindo a noção de profundidade.

Segundo a Associação Brasileira dos Deficientes de Visão Monocular, as pessoas que possuem essas características têm dificuldades visuais significativamente maiores do que as pessoas que têm visão convencional. No entanto, para muitos, esse fato não é considerado e os direitos as mesmas condições de aprendizagem não lhes é dado.

O daltonismo também chamado de “discromatopsia congênita” é caracterizado por defeitos de visão cromática, é mais comum nos homens, não é considerado deficiência, mas é uma diversidade visual bastante presente no ambiente acadêmico. É importante dizer que as pessoas com daltonismo não enxergam ou deixam de enxergar as cores da mesma forma. A maioria das pessoas com daltonismo tem dificuldade na percepção das cores vermelha e verde, depois são menos numerosas as pessoas que não enxergam o azul e amarelo e mais raro são pessoas que enxergam apenas tons de cinzas.

Relação professor aluno

Em pesquisa com os alunos podemos verificar várias percepções que estes possuem sobre de como o professor poderia auxiliá-los no processo ensino-aprendizagem. A aluna A/DV relata:

A baixa visão me parece ser esquecida pela sociedade como um todo, que acredita que só existem três tipos de visão: aquela perfeita, aquela que “precisa de óculos” e a cegueira. E isso é algo que influencia até mesmo na criação de crianças com baixa visão, dada a dificuldade dos pais de compreenderem a condição de seus filhos. É importante diferenciarmo-nos daqueles que são cegos, porque existem vários graus de baixa visão, com várias particularidades (causas, efeitos). E é fundamental que os docentes estejam preparados para entender a individualidade de cada caso, com que tecnologias assistivas a pessoa teve contato, etc. Por exemplo, não sei braile. E a maioria das pessoas cegas (em um recorte importante, que ficaram cegas após certo tempo de vida, já estavam na adolescência ou no começo da vida adulta) e com baixa visão que conheço também não sabem. Mas todos nós usamos leitores de tela. Eu e meus amigos com baixa visão usamos lupas eletrônicas. Alguns deles preferem provas em fonte 24, outros em fonte 28. É muito importante saber estabelecer as necessidades que o discente tem. A minha visão monocular provém do fato de que um dos meus olhos é cego. Essa condição influencia minha vida de ainda outras maneiras diferentes da baixa visão, e é uma deficiência que só começou a ser reconhecida legalmente há poucos anos. Há muita dificuldade no que tange a tridimensionalidade, noções de profundidade, movimento. E, no meu caso, afeta uma porcentagem enorme de meu campo de visão. Mas, mais uma vez, é necessário o diálogo. Pessoas com deficiências e pessoas que necessitam de ferramentas assistivas são diversas e cada um tem suas particularidades.

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Considerando os relatos dos alunos pesquisados, a experiência dos núcleos de acessibilidade da UFG, UEG, IFG e IFGoiano e pesquisas em materiais de formação docente para inclusão de outras instituições, apresentamos a seguir o que chamamos de “BOAS PRÁTICAS”. São ações e adaptações que podem ser feitas por professores de alunos com deficiência visual, que vão proporcionar uma relação mais harmoniosa e favorecer a aprendizagem desses alunos no meio acadêmico.

Dividiremos essas práticas em “BOAS PRÁTICAS SOCIAIS” e “BOAS PRÁTICAS ACADÊMICAS”. Consideramos as práticas sociais ações que dizem respeito a como se comportar na presença de uma pessoa com deficiência visual, minimizando os preconceitos e favorecendo a comunicação e a locomoção. Consideramos práticas acadêmicas aquelas ações do professor que podem favorecer o rendimento acadêmico e proporcionar ao aluno com deficiência visual as mesmas oportunidades de conhecimento que os demais alunos já têm favorecido pela visão.

Boas práticas sociais

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Boas práticas acadêmicas

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Depoimentos

Para finalizar deixamos uma mensagem de uma aluna com deficiência visual para os professores:

É necessário que se entenda que nós não somos de outro mundo – somos pessoas como quaisquer outras. Sou uma pessoa com deficiência, acredito, porque o mundo é inacessível, apresentando inúmeras barreiras para uma participação efetiva, constante e numerosa nossa. Ao termos contato com as ferramentas certas, essas barreiras desaparecem e nos comportaremos como qualquer outro discente. Podemos falhar – e é um direito nosso, afinal, mas também podemos decolar. Fale com as suas turmas. Seja aberto a críticas. Entenda que está, assim como qualquer outra pessoa, em uma posição de aprendizado constante. Nunca se esqueça que somos pessoas completas, independentes. Muitos de nós na universidade já somos adultos. Não nos veja como exemplo de superação. Se é tão impressionante uma pessoa com deficiência/necessidades especiais alcançar o nível superior de ensino, algo está errado. Posso resumir tudo isso em uma palavra: empatia. Incorporem-na. (Aluna A/DV)

Indicação de filme

A Cor do Paraíso. Majud Majidi. Irã, 1999.

Hoje eu quero voltar sozinho. Direção: Daniel Ribeiro, 2014.

Castelos de gelo. Direção: Donald Wrye, 1978.

Dançando no Escuro. Direção: Lars Von Trier, 2000.

Indicação de livros

MEC. Formação Continuada a Distância de Professores para o Atendimento Educacional Especializado: Deficiência visual. SEESP / SEED, Brasília/DF – 2007.

VENTAVOLI, Fabíola Magda Andrade. A informática como ferramenta e proposta educativa aos indivíduos portadores de deficiência visual. Mococa: 2012.

BRASIL. Orientação e Mobilidade: Conhecimentos básicos para a inclusão do deficiente visual / Elaboração Edileine Vieira Machado. et al. - Brasília: MEC, SEESP, 2003.

GIL, Marta (Org.). Deficiência visual. Brasília: MEC. Secretaria de Educação a Distância, 2000.

BRASIL. Guia orientador para acessibilidade de produções audiovisuais. 2015.

BRASIL. Guia para produções audiovisuais acessíveis. 2016.