Governo Federal República Federativa do Brasil Ministério da Educação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Universidade Federal de Goiás

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A inovação emergente:

tecnologias e interfaces

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O Papel das Tecnologias Muldimodais na aprendizagem de estudantes com deficiência visual

Luciane Maria Fadel Doutora em Typography & Graphic Communication, Universidade Federal de Santa Catarina, Engenharia e Gestão do Conhecimento, Florianópolis, SC, Brasil, liefadel@gmail.com.
Lane Primo Doutoranda, Mestre em Informática Aplicada, Universidade Federal de Santa Catarina, Engenharia e Gestão do Conhecimento, Florianópolis, SC, Brasil, lanepprimo@gmail.com.
Graziela Sombrio Doutoranda, Mestre em Matemática, Instituto Federal de Santa Catarina, Universidade Federal de Santa Catarina, Engenharia e Gestão do Conhecimento, Florianópolis, SC, Brasil, graziela.sombrio@gmail.com.

Resumo: Esse estudo identifica o papel das tecnologias na aprendizagem de estudantes com deficiência visual. Para tal, realizou-se uma revisão bibliográfica cujos resultados foram comparados ao de relatórios parciais de duas pesquisas de doutorado envolvendo pessoas com deficiência visual. Embora a literatura revele contribuições do uso de interfaces multimodais, verificou-se pouca aplicabilidade nas vivências dos estudantes que participaram das pesquisas. Dessa forma, entende-se que há necessidade de apropriação dos professores no uso de interfaces e recursos multimodais. Constatou-se que essas tecnologias têm um papel relevante, pois favorecem a ampliação dos sentidos, assim como o exercício de habilidades para a exploração do mundo exterior. Como contribuição amplia-se o conhecimento acerca de experiências multimodais de pessoas com deficiência visual.

Palavras-chave: Experiência de aprendizagem; Geometria; Núcleo de Acessibilidade Digital; Tátil;

Introdução

O censo demográfico realizado pelo IBGE no Brasil, em 2010, mostra que 23,9% da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência, o que representa aproximadamente 45,6 milhões de pessoas. Dessas, mais de 35 milhões possuem deficiência visual (BRASIL, SDH/PR/SNPD, 2012).

Para que sejam garantidos às pessoas com deficiência (PcDs), os mesmos direitos de acesso do restante da população, é preciso considerar os avanços tecnológicos recentes. Nessa perspectiva, a interação humano-computador (IHC) proporciona novas experiências aos usuários com deficiência, inclusive na Educação.

Quanto às tecnologias educacionais, as novas interfaces surgem com o propósito de aperfeiçoar a interação. Aliadas ao uso de mídias, as tecnologias possuem um papel importante no processo de ensino e aprendizagem. Porém, quando o estudante apresenta algum tipo de deficiência, como no caso, da visual, o que seria uma ferramenta essencial, pode tornar-se um complicador. Isso não significa que ele deva ser excluído do processo. Pelo contrário, adaptações feitas de maneira apropriada, fazendo uso das recomendações existentes, tornam essas ferramentas facilitadoras do processo de ensino e aprendizagem e da interação com os pares.

Nesse sentido, fruto das discussões do grupo de pesquisa Núcleo de Acessibilidade Digital (NADiTA), este estudo apresenta discussão acerca da multimodalidade. Tem como objetivo identificar o papel das tecnologias multimodais na aprendizagem de estudantes com deficiência visual.

Para este estudo, mídia representa uma informação (texto, som ou imagem) por meio digital, o qual pode ser acessado de forma aleatória, permite armazenamento, compartilhamento e conversão de dados (MANOVICH, 2005; MARTINO, 2014). Já o modo, para Filatro e Cairo (2015), é o código que representa a informação, o qual pode ser verbal ou não verbal; e, modalidade é o sentido, no tocante ao sensorial (auditivo, visual, tátil), usado para receber a informação. Contudo, ao refletir sobre modalidade, convém acrescentar o sentido, no tocante ao significado, a ser construído pelo estudante. Para Gomes (2010), diversos significados são veiculados em diferentes modalidades, eles se integram e se complementam de maneira a auxiliar na interpretação geral. Logo, um ponto crítico a se observar é se a informação em determinada modalidade poderá significar para o estudante algo que construa a sua aprendizagem.

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Metodologia

O presente estudo configura-se em uma pesquisa básica, com abordagem do problema pedagógico, e com objetivo propositivo (FREIRE, 2013). Adotaram-se os seguintes passos: a) revisão de literatura para identificação das contribuições da IHC para a educação de pessoas com deficiência visual, mais especificamente, cegos; b) levantamento de informações relacionadas às mídias e tecnologias nos relatórios de duas pesquisas em andamento que investigam a aprendizagem de estudantes com deficiência visual; c) discussão à luz do referencial teórico e d) levantamento das conclusões e proposta de ação.

a) Revisão de literatura: realizou-se com o objetivo de identificar a contribuição da IHC para a educação de pessoas com deficiência visual, com o foco em cegos. Utilizaram-se as bases de dados Scopus, Web of Knowledge e Elsevier para responder a seguinte questão “como a interação humano-computador (IHC) pode contribuir para as experiências de aprendizagem de cegos?”. Buscaram-se os termos “blind”, “human computer interaction”, “education”, “blind student” combinados por operadores booleanos. Os achados passaram por análise descritiva dos agrupamentos por similaridade.

b) Levantamento de informações relacionadas às mídias e tecnologias: nesta fase tomou-se por base os relatórios de duas pesquisas de doutorado. Ambas foram realizadas no período de 2018 a 2019. Uma delas investiga experiências de aprendizagem de estudantes com deficiência visual no contexto digital (estudo 1), a coleta de dados foi por meio de entrevista que reuniu depoimentos de dez informantes (um com baixa visão e nove cegos). A outra pesquisa (estudo 2), investiga a forma como a Geometria é aprendida pelos cegos na escola regular. O instrumento de coleta de dados foi grupo focal. Participaram do grupo oito cegos congênitos que frequentam ou frequentaram a escola em turmas regulares.

Resultados

Na sequência apresentam-se os resultados apurados na revisão de literatura e os elementos levantados nos relatórios das pesquisas.

Da revisão de literatura

A partir da análise dos documentos os tópicos de destaque foram levantados e categorizados para a busca de pontos que pudessem contribuir para o estudo. As palavras-chave mais citadas foram human computer interaction, blind, assistive technology, visual deficiency e haptic system. Considerando o cunho educacional mapearam-se as experiências, o perfil do público, as tecnologias utilizadas e as formas como foram aplicadas, sintetizadas nas tabelas 1 e 2.

A Tabela 1 apresenta o mapeamento das experiências e o perfil de pessoas cegas na educação mediadas por tecnologias.

Tabela 1. Experiência de pessoas cegas na Educação mediada por tecnologias.
Fonte: elaboração das autoras.
Experiência Público
Navegação e exploração do conteúdo Cegos entre 18 a 74 anos (BUZZI, BUZZI, et al., 2011)
Exploração de jogo multimodal Crianças cegas e com visão parcial na Educação infantil (LUčIIć, OSTROGONAC, et al., 2015)
Exploração e reconhecimento de novos espaços Cegos entre 41 e 53 anos (SCHLOERB, LAHAV, et al., 2010)
Deficientes visuais e cegos entre 19 e 36 anos (MAIDENBAUM, CHEBAT, et al., 2011)
Navegação e exploração em Ambientes Virtuais de Aprendizagem em situações didáticas Estudantes cegos Ensino Médio (História) (SILVA, 2010)
Cegos adultos (Química) (LEVY e LAHAV, 2011)
Estudantes cegos congênitos de 14 a 17 anos e baixa visão de 14 anos (Geometria) (PETRIDOU, BLANCHFIELD e BRAILSFORD, 2011)
Exploração multimodal de mapas Estudantes e adultos (BUZZI, BUZZI, et al., 2011)
Exploração sensorial de forma, orientação e relação espacial Crianças com deficiência visual em idade escolar (JAFRI, ALJUHANI e ALI, 2015)
Navegação e criação de diagramas de classe UML e colaboração - Uso de ferramenta para desenvolvimento colaborativo de sistemas computacionais 11 estudantes de ciência da computação e 23 profissionais desenvolvedores de sistemas cegos ou com baixa visão (GRILLO e FORTES, 2014)
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A Tabela 2 relaciona as tecnologias aplicadas e como elas foram utilizadas na experiência de aprendizagem.

Tabela 2. Tecnologias e formas de utilização na experiência educacional de pessoas cegas
Fonte: elaboração das autoras
Tecnologias Formas de utilização
Podcast estruturado Orientação de atividades e material didático
Jogo multimodal que inclui módulo tátil e áudio Abordagem sensorial tátil (pedaços em madeira com correspondência ao teclado do computador) e auditiva (instruções por voz)
Interface tátil e sonora Representação e reconhecimento
Dispositivo de substituição sensorial Reconhecimento do espaço real e virtual. O usuário recebe sinais sonoros quando um obstáculo se aproxima.
Dispositivo háptico (tátil) para reconhecimento de objetos 3D Reconhecimento dos objetos virtuais
Sistema de reconhecimento e rastreamento do objeto 3D e sinal sonoro (JAFRI, ALJUHANI e ALI, 2015) Abordagem sensorial tátil (crianças sentem o objeto e o colocam em uma superfície) e resposta em áudio (sobre a percepção tátil da forma, conceito de orientação e conceito de relação espacial)
Módulo para inserção textual em ferramenta para modelagem visual (GRILLO e FORTES, 2014) Desenvolvimento colaborativo de diagrama de classes UML por pessoas cegas ou com deficiência visual que usavam a visualização textual e videntes que usavam a visual/gráfica.

Identificou-se que as tecnologias multimodais destacam-se nesses trabalhos, pois destinam-se a favorecer experiências complexas aos usuários por meio da disponibilização da informação em diferentes modalidades (tato, visão, som, fala) (ROGERS, SHARP e PREECE, 2013). Nos parágrafos seguintes, são identificados alguns desses destaques que mostram algumas características das interfaces.

Buzzi, Buzzi, et al. (2011) apresentam podcasts como uma possibilidade de ferramenta a ser utilizada na educação. Eles foram usados para a orientação no ambiente virtual de aprendizagem (AVA) e para acesso como mídia alternativa a materiais didáticos. Sua principal característica é se adaptar às necessidades e hábitos de seus usuários e facilitar a aprendizagem em qualquer hora, qualquer lugar e em qualquer ritmo. Segundo os autores, estudos têm mostrado a eficácia do uso de podcasts na educação, uma vez que muitos estudantes aprendem melhor ouvindo do que lendo. A conclusão de Buzzi, Buzzi, et al. (2011) ao realizar uma pesquisa com usuários, na maioria cegos e os demais com baixa visão, é de que todos eles preferem ouvir pequenos podcasts estruturados a um arquivo longo de áudio. Isso se deve ao fato de que os primeiros, tem seu acesso mais simplificado, os títulos nas seções facilitam as buscas, dentre outras características que facilitam a acessibilidade do usuário.

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Exemplos da aplicação de interfaces táteis e sonoras estão presentes nos trabalhos de Schloerb, Lahav, et al. (2010), Buzzi, Buzzi, et al., (2011) e Levy e Lahav (2011). Schloerb, Lahav, et al. (2010) criaram ambiente virtual chamado BlindAid, o qual permite que as pessoas cegas aprendam mais facilmente sobre novos ambientes por conta própria. Há dispositivos táteis que permitem interações manuais com um ambiente virtual, que pode ser utilizado em várias áreas do conhecimento. O sistema de mapas para pessoas cegas do BlindAid consiste em um software aplicativo, rodando em um computador pessoal equipado com um dispositivo tátil e fones de ouvido estéreo. O trabalho de Buzzi, Buzzi, et al. (2011) discute os requisitos dos usuários para o uso de mapas visuais acessíveis. Os autores propõem uma interface de usuário multimodal que contemple o toque, gestos para as escolhas e ações do usuário; vibração para sinalizar eventos do sistema; áudio através de sinais sonoros para dicas ou situação do sistema e mensagens de voz que possam complementar a informação visual.

A multimodalidade aparece também nos jogos educacionais em Lučiić, Ostrogonac, et al. (2015). O jogo Lugram foi desenvolvido para que crianças tivessem o contato inicial com a Geometria de maneira lúdica. Ao longo do desenvolvimento, durante as avaliações dos protótipos, comandos de voz foram incluídos para a realização de tarefas a fim de atender estudantes com deficiência visual, assim como a adição de dispositivos táteis. Os jogadores cegos podiam orientar-se pelos sons e mensagens de voz para resolver a tarefa proposta.

Ambientes virtuais foram abordados em Silva (2010), Levy e Lahav ( 2011) e Maidenbaum, Chebat, et al. (2011). Silva (2010) baseou-se nas recomendações WAI e W3C para uma análise comparativa da acessibilidade de dois ambientes virtuais de aprendizagem para usuários cegos. Nos AVAs avaliados foi constatada que as estruturas gráficas das interfaces foram elaboradas seguindo a lógica da organização com alguns recursos de acessibilidade, o que provocou a dificuldade dos estudantes cegos para navegar e explorar o AVA. Levy e Lahav (2011) apresentaram os resultados do experimento com o Listening to Complexity (L2C). Trata-se de um ambiente de aprendizagem assistido por computador para estudantes cegos que utiliza a representação baseada em som para a simulação de um sistema químico. Os autores relataram que os participantes cegos demonstraram conhecimento conceitual científico melhorado, sistema de raciocínio melhorado, percepção de velocidade e das representações dos elementos. Dentre as vantagens, por permitir representação sonora e visual, pode ser usado por videntes e cegos em aprendizagens colaborativas.

Ainda no tema ambiente, segundo Maidenbaum, Chebat, et al. (2011), ao transferir informações de ambientes reais para o mundo virtual, pode-se criar facilidades para os usuários, inclusive para aqueles com problemas de visão. Como exemplo é citado o Google Street-View, que permite que seus usuários conheçam um ambiente antes de visitá-lo. O trabalho analisa o uso de um dispositivo de substituição sensorial, trata-se de uma bengala branca virtual - EyeCane, na qual quando um obstáculo maior que 5 metros for detectado, um som é emitido. Como resultado, mostra que o simples retorno sonoro é o suficiente para que várias tarefas que anteriormente eram impossíveis, tornem-se acessíveis para pessoas cegas e que, combinadas com outras ferramentas, podem facilitar a vida delas.

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Na linha de dispositivos, o estudo de Petridou, Blanchfield e Brailsford (2011) aborda a tecnologia assistiva háptica para o reconhecimento de objetos virtuais 3D, utilizada para reconhecer objetos tridimensionais básicos no campo da Geometria. Desde o projeto, os autores contaram com a participação de diferentes parceiros (professores, pais, alunos cegos e videntes) que contribuíram para o design e desenvolvimento do ambiente educacional. Foi utilizado o console Falcon para permitir interação dos usuários cegos com o ambiente virtual através do senso do toque no game educacional, conhecido como Haptic-Audio Learning Environment (iHALE).

O trabalho de Jafri, Aljuhani e Ali (2015) apresenta o desenvolvimento de um software para o ensino de conceitos espaciais para crianças com deficiência visual. O software utiliza um sistema de rastreamento (Trackmate) que, juntamente com uma impressora 3D, permite que ensino seja feito de forma tátil. São utilizados códigos de barra nos objetos produzidos para que, quando lidos, a criança possa obter informações sobre a identidade do sólido, sua posição, rotação e cor. Para os alunos com baixa visão, é possível utilizar impressões em cores diferentes. O Braille também é utilizado e tem como objetivo mostrar o ponto de partida para a exploração de objetos 3D. A interação é realizada através do toque e da fala e a criança recebe um feedback através do som.

O protótipo AWMo (Accessible Web Modeler) é uma ferramenta web projetada para permitir que usuários com ou sem deficiência visual criem diagramas de classe UML (Unified Language Modeling). Segundo Grillo e Fortes (2014), os estudantes com ou sem deficiência visual podem trabalhar na criação de um mesmo diagrama de classe, respeitando suas habilidades para o formato gráfico e para o textual. Assim, eles podem dar continuidade a um único projeto, colaborando para o desenvolvimento do mesmo. Nos testes, dentre as vantagens, identificou-se que a diferença de tempo entre a criação do diagrama na forma tradicional, sem o uso da ferramenta, foi mínima; a produtividade da colaboração, por permitir a continuidade do projeto entre videntes e não-videntes, foi outro ponto de destaque; esses usuários com e sem deficiência afirmaram que usariam a ferramenta no seu dia-a-dia.

As contribuições dos autores revelam que as tecnologias multimodais utilizadas auxiliaram os estudantes com deficiência visual a desenvolver o sentido de orientação e de reconhecimento. Elas possibilitaram também que eles realizassem atividades de navegação, exploração, criação, colaboração e simulação. Desta forma, tais tecnologias puderam proporcionar aos estudantes experiências de aprendizagem mais proveitosas. Contudo, para esse estudo, sinaliza-se como desafio a ideia de que professores nem sempre consideram opções multimodais no planejamento didático.

Dos estudos com foco nos estudantes com deficiência visual

Na sequência, apresentam-se os recortes dos relatórios da coleta de dados de dois estudos de doutorado na linha de pesquisa Mídia e Conhecimento na Educação. Ambos integrantes do grupo de pesquisa Núcleo de Acessibilidade Digital e Tecnologias Assistivas.

Na Tabela 3 exibe-se um breve descritivo dos estudos e, na sequência, o recorte relacionado à modalidade:

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Tabela 3. Descritivo dos estudos com as pessoas com deficiência visual. 
Fonte: elaboração das autoras.
Tópicos em comum Estudo 1. Experiência de aprendizagem de estudantes com deficiência visual no contexto digital Estudo 2. Aprendizagem de Geometria por cegos
Pessoas com deficiência visual Nove cegos e um baixa visão Oito cegos congênitos
Vida escolar e acadêmica Três com nível superior em andamento; sete com nível superior completo. Destes, quatro com pós-graduação completa e um em andamento.
Todos pretendem dar continuidade aos estudos.
Três com curso superior completo; quatro cursando o ensino médio e um cursando o ensino fundamental. Todos os que estão na Educação Básica pretendem continuar estudando.
Domínio do Braille Seis foram alfabetizados e utilizaram leitura e escrita até o ensino médio
Quatro conhecem e utilizam para orientação no dia a dia
Todos dominam leitura e escrita
Tecnologias utilizadas Notebook e celular com leitor de tela; Ambientes virtuais de aprendizagem. Notebook com leitor de tela
Mídias mais utilizadas para aprender Vídeo citado por sete informantes; texto citado por cinco informantes. Material em Braille, representação em alto relevo ou objetos concretos.

No estudo 1, sobre experiências de aprendizagem de estudantes com deficiência visual no contexto digital, os participantes relataram sobre suas vivências na vida acadêmica. Nesse grupo, os relatos referem-se às disciplinas dos cursos de Psicologia, Pedagogia, Administração, Jornalismo, Análise e desenvolvimento de sistemas. Perguntou-se (1) qual a representação que facilitou o mapeamento das informações ou do conhecimento; e, (2) se essa representação apresentou alguma característica física. Para a questão 1, os informantes declararam que utilizaram algumas estratégias, entre elas: relacionar com objetos, citada cinco vezes, sendo que uma delas a algo concreto; elaborar esquema ou mapa mental, citado cinco vezes; palavras-chave, citado três vezes e, por último, anotações, citado duas vezes. Para a questão 2, eles responderam que associaram a informação ou conhecimento à forma, citada quatro vezes; relacionaram a algum objeto ou desenho que lembre o assunto estudado; e ao som, citado duas vezes. Nesse caso, associando a uma música ou a um sinal sonoro significativo. No que tange a ambientes virtuais de aprendizagem, quatro informantes relataram problemas de navegação, no acesso a materiais e, nas postagens dos ambientes proprietários. Três informaram que os AVAs de MOOCs são e disponibilizam materiais acessíveis, sendo os mais usados vídeos e podcasts. Por fim, os entrevistados também relataram experiências frustrantes na aprendizagem relacionadas à inacessibilidade de materiais didáticos. Contudo, declararam que utilizaram tecnologias digitais para suprir as lacunas. Eles informaram que utilizam no smartphone, mecanismos de busca para encontrar opções para os materiais inacessíveis; na internet, procuram fóruns e participam de redes, tanto sociais quanto de amigos, para tirar suas dúvidas ou aprender mais.

No estudo 2, sobre a aprendizagem de Geometria pelos cegos, identificou-se que a Geometria é tratada na escola regular de forma superficial. Como todos os participantes têm domínio do Braille, eles consideram que a comunicação seria mais fácil se todos os agentes do processo de aprendizagem soubessem utilizá-lo. Quanto às tecnologias, todos os participantes do grupo focal as utilizam como facilitadoras de atividades da vida diária. Entretanto, elas são pouco utilizadas no contexto escolar. Dentre as ferramentas mais utilizadas estão o Youtube, Google e Whatsapp. A falta de experiência faz com que não consigam imaginar a aprendizagem de matemática utilizando tecnologias. Porém, a ideia é bem recebida, pois reconhecem que a tecnologia abre muitas possibilidades.

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Multimodalidade na Aprendizagem

Para estabelecer uma base de comparação entre as informações da revisão da literatura e dos relatórios, sobre como a multimodalidade contribui para a aprendizagem, consideraram-se algumas características dos públicos, as tecnologias e as mídias. Em comum, o público de jovens e adultos da literatura equipara-se ao do estudo 1 na faixa etária da escolaridade, porém diferem na qualidade da experiência. Os primeiros puderam vivenciar estímulos sensoriais táteis e sonoros em atividades instigantes de exploração, navegação, reconhecimento; enquanto os informantes do estudo 1 utilizaram o sonoro para acesso ao conteúdo do curso. Vale notar que esses entrevistados, de forma natural, utilizam estratégias multimodais para representar e mapear os conhecimentos utilizando associações à forma, objetos e sons. E mais, pela necessidade de compreender a informação recebida de maneira fragmentada, eles buscam por conta própria recursos em áudio e vídeo a fim de complementá-la. Nos exemplos da literatura, as atividades envolvendo uso dos diferentes modos nas interfaces sugerem um potencial de agência“Agency results when the interactor’s expectations are aroused by the design of the environment, causing them to act in a way that results in an appropriate response by the well-designed computational system”. (MURRAY, 2012, p. 12) (MURRAY, 2012) do estudante. Desta forma, a atuação do estudante, provocada pelos elementos sensoriais, pode mobilizá-lo a aprender mais com autonomia. Ou seja, infere-se que enquanto um grupo pode expandir suas experiências de aprendizagem, o outro precisa esforçar-se para ter acesso completo ao conteúdo de estudo.

No caso do estudo 2, sobre a aprendizagem de Geometria, além do material em Braille, a utilização de materiais adaptados foi a alternativa que facilitou a compreensão do conteúdo estudado. Esses materiais podem ser o multiplano, régua adaptada, representações em alto relevo ou até mesmo objetos do dia a dia, como por exemplo, uma pizza para representar um círculo.

A revisão de literatura mostrou variedade de mídias que foram utilizadas nas tecnologias envolvidas nas experiências dos estudantes. Em contrapartida, os depoimentos dos entrevistados do estudo 1 revelaram o uso de poucas opções, basicamente, texto e vídeo, que no caso do estudo 2 Geometria para cegos, não são suficientes.

No que tange aos ambientes virtuais de aprendizagem, as experiências de navegação e exploração contaram com ferramentas e dispositivos para estímulos sonoro e háptico que permitiram orientação (BUZZI, BUZZI, et al., 2011a), reconhecimento e representação em simulação (LEVY e LAHAV, 2011; PETRIDOU, BLANCHFIELD e BRAILSFORD, 2011). No caso dos informantes do estudo 2, não houve interação por AVA. Quanto aos do estudo 1, apesar do uso, os AVAs não foram utilizados para proporcionar experiências multimodais. Essa constatação sinaliza alguns pontos a serem investigados, por exemplo, despreparo das equipes educacionais tanto no aspecto tecnológico quanto pedagógico para a acessibilidade e recursos multimodais.

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Com relação às mídias, as experiências de exploração e navegação tiveram como objetivo orientação (LUčIIć, OSTROGONAC, et al., 2015; JAFRI, ALJUHANI e ALI, 2015; BUZZI, BUZZI, et al., 2011a; BUZZI, BUZZI, et al., 2011b; MAIDENBAUM, CHEBAT, et al., 2011), acesso alternativo (BUZZI, BUZZI, et al., 2011a), reconhecimento (JAFRI, ALJUHANI e ALI, 2015; LEVY e LAHAV, 2011). Os estudantes realizaram ações utilizando-se de interfaces táteis e sonoras que permitiram uma leitura com autonomia e independência. Os estudantes com deficiência visual utilizam recursos sonoros e táteis para interagir com o mundo. Por isso eles usam os sentidos com mais frequência. As informações sensoriais ajudam o estudante a construir a representação mental do espaço, das pessoas e dos objetos com os quais ele interage. Essa leitura de mundo pelos sentidos realizada pela pessoa com deficiência visual é relatada por Quevedo e Ulbricht (2011). Segundo as autoras, o tato captura a informação em Braille, assim como a estética tátil do que se toca (textura, forma e tamanho), o que favorece a composição de forma analítica. Enquanto a audição captura informações de som do ambiente e das falas, favorecendo a representação do espaço e o reconhecimento do que é transmitido do mundo exterior. Nesse ponto, ao analisar os estímulos sensoriais dos relatos dos informantes do estudo 1, o uso do tátil não foi mencionado. Isso porque praticamente inexiste na trajetória do ensino superior, assim como o uso do Braille. Segundo eles, o uso do notebook com leitor de tela na sala de aula foi mais prático e rápido, pois o custo, o volume e o tempo para a transcrição para o Braille foram suprimidos. Além disso, eles podiam receber o material ao mesmo tempo que os demais colegas. Se era impresso, podiam utilizar o celular para digitalizar e transformar em texto para uso com o leitor de tela. Contudo, quando o conteúdo era em vídeo, apesar de contar com a parte sonora, na sua maioria não possui audiodescrição. Por conseguinte, o estudante perde boa parte da informação o que pode ser prejudicial quando o contexto do cenário é importante para criar significado do que está sendo aprendido.

Na aprendizagem de Geometria, as experiências proporcionadas por objetos tridimensionais e tecnologias assistivas hápticas permitiram reconhecimento pela interação no game (Petridou, Blanchfield e Brailsford, 2011). Ao passo que em Jafri, Aljuhani e Ali (2015) utilizou-se objetos 3D, informações em Braille e som. Experiências aparentemente mais ricas que as mencionadas pelos participantes do estudo 2. Para esses, o tato foi o sentido mais utilizado. Sem o uso dos objetos tateáveis, não teria sido possível compreender os conceitos que fazem parte do conteúdo por sua natureza visual. Para esse grupo de estudantes, as tecnologias podem auxiliar o cego na obtenção de mais informações no processo de aprendizagem no uso de objetos tateáveis, mas elas sozinhas não são suficientes.

Para obter uma visão mais abrangente, a Tabela 4 mostra o mapeamento das informações encontradas na literatura e nos relatórios dos estudos 1 e 2, no que tange às tecnologias, conteúdos, aspectos sensoriais envolvidos, experiências e mídias.

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Tabela 4. Compilação dos achados. Fonte: elaboração das autoras.
Literatura Experiência de aprendizagem no contexto digital Aprendizagem de Geometria
Tecnologia Podcast, jogo, interface tátil e sonora, dispositivo tátil e sonoro, dispositivo háptico, Ambiente virtual de aprendizagem, Sistema de reconhecimento 3D, Módulo de imersão para modelagem textual. Ambiente virtual de aprendizagem, podcast. Não utilizada
Conteúdo História, Química, Desenvolvimento de sistemas, Geometria. Disciplinas dos cursos de Psicologia, Administração, Jornalismo, Análise e desenvolvimento de sistemas. Geometria
Aspectos sensoriais envolvidos Auditivo (som, voz)
Visual
Tátil (vibração, forma, textura, volume, dimensão)
Auditivo Tátil (forma, textura, volume, dimensão)
Experiência Navegação, exploração, reconhecimento, criação, orientação, mapeamento, colaboração, simulação. Navegação, reconhecimento, orientação. Reconhecimento
Mídia Texto, áudio, material 3D. Vídeo, texto. Texto, material concreto.

Esse mapeamento evidencia o quanto a multimodalidade, e mais especificamente, as tecnologias multimodais podem proporcionar experiências de aprendizagem proveitosas para todos os estudantes. Afora a ampliação de conhecimento, elas favorecem a integração, a colaboração e, principalmente, a inclusão. Contudo, há um longo caminho a ser percorrido que passa pela diversificação das modalidades no planejamento de conteúdos a serem disponibilizados para os estudantes.

Considerações Finais

Nesse trabalho, buscou-se identificar o papel das tecnologias na aprendizagem de estudantes com deficiência. Assim sendo, constatou-se um papel relevante principalmente utilizando-se as multimodais. Elas favorecem a ampliação dos sentidos, desenvolvem habilidades relacionadas ao reconhecimento que permitem a exploração do mundo exterior. Contudo, ainda são pouco aproveitadas nas escolas brasileiras tendo em vista o predomínio do texto. Por isso, recomenda-se como proposta de ação, a sensibilização de professores por meio de oficinas que utilizem recursos e tecnologias multimodais.

À guisa de conclusão, o estudo permitiu identificar que:

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  • (a) trabalhos sobre interfaces multimodais na educação de estudantes com deficiência ainda é incipiente, visto que foram encontradas poucas publicações internacionais e somente uma nacional;
  • (b) os relatos mostraram que a multimodalidade pode proporcionar experiências de aprendizagem que envolvem navegação e exploração; auxiliam na orientação e reconhecimento;
  • (c) há um progresso tímido do uso de recursos multimodais, ainda voltado ao acesso e reconhecimento. Entende-se que há a necessidade de desenvolvimento para outros patamares como imersão, criação colaborativa e compartilhamento;
  • (d) nas disciplinas que envolvem representações visuais, a exemplo da Geometria, há necessidade de integração entre o tato e as tecnologias para que juntas elas possam auxiliar na aprendizagem de alguns conceitos e no desenvolvimento da autonomia do estudante;
  • (e) há realidades diferentes que envolvem a natureza das disciplinas, o domínio dos professores e as necessidades dos estudantes que precisam ser equacionadas para ajustes caso a caso.

Considerando-se que nada é definitivo, abre-se oportunidade para pesquisas que promovam soluções multimodais.

As limitações nesse trabalho estão em não investigar estratégias pedagógicas apropriadas para lidar com as tecnologias multimodais; focar na deficiência visual, tendo em vista a possibilidade de encontrar estudantes com outras deficiências em uma sala de aula.

Para trabalhos futuros, sugere-se:

  • (a) investigação sobre o uso de tecnologias multimodais na educação básica e superior contemplando outros tipos de deficiência;
  • (b) estudos voltados para o desenvolvimento de recursos digitais multimodais;
  • (c) design para experiência (de uso e de aprendizagem) do estudante com deficiência.

Há um longo percurso para que a inclusão constitua um processo natural. Os estudantes com deficiência visual já utilizam diversas modalidades para estudar, trabalhar e interagir com o mundo. Cabe a nós educadores e desenvolvedores o papel de agentes de mudança, da apropriação de literacias e a expressão em diferentes modalidades. Assim, passo a passo, estaremos construindo um mundo melhor utilizando a Educação como base para a inclusão.

Agradecimento

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 pelo apoio para a realização do presente trabalho. Às instituições que apoiaram as pesquisas, Associação Catarinense de Integração do Cego (ACIC), Associação Dos Deficientes Visuais Do Oeste De Santa Catarina (ADEVOSC) e aos informantes que contribuíram para este estudo.

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